“Bird strikes” podem danificar aeronaves e em casos raros provocar acidentes; empresas aéreas reclamam de falta de proteção
O Brasil registra uma média de 2.100 bird strikes –termo técnico para colisões de aviões com pássaros– por ano desde 2021. Esse número representa cerca de 6 episódios do tipo por dia. Embora seja uma situação que raramente resulta em acidentes ou até mesmo danos às aeronaves, existem registros no Brasil de bird strikes que adiaram voos e tiraram aviões de operação.
Na semana passada, houve ao menos 2 casos que ganharam notoriedade nacional por terem influenciado a operação de voo. O 1º envolveu um avião da Latam que ficou com a parte dianteira danificada e precisou voltar ao aeroporto. No 2º, um avião da GOL também teve que retornar ao aeroporto de origem depois de atingir pássaros. Em nenhum dos casos houve feridos, mas os voos foram cancelados e os passageiros precisaram ser realocados.
Os episódios seguidos causaram uma certa revolta em executivos das empresas aéreas, não só pelo dano às aeronaves, mas também por um outro aspecto naturalizado na aviação brasileira: o alto índice de judicialização. Segundo a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), a aviação brasileira registra 1 processo a cada 0,52 voos (ou seja, comparativamente, 1 voo no Brasil já carrega em si duas ações judiciais), enquanto nos EUA o patamar é de uma ação na Justiça a cada 2.585 viagens.
No dia seguinte ao bird strike da Latam, o CEO da companhia no Brasil, Jerome Cadier fez um desabafo no Linkedin. Cadier disse que a 1ª indenização por dano moral por cancelamento do voo deveria chegar “amanhã mesmo”. E, em crítica à alta judicialização no setor, questionou: “quem paga a conta?”.
O desabafo de Cadier também ecoou em outros executivos do setor. Em conversa com jornalistas, o CEO da Azul, John Rodgerson, demonstrou solidariedade às reclamações feitas por Cadier. O executivo sugeriu que os operadores dos aeroportos deveriam dividir com as aéreas os custos com esse tipo de ocorrência, principalmente nas despesas jurídicas.
A reclamação das empresas aéreas é que elas ficam desprotegidas nesse tipo de situação. Segundo o executivo da Azul, a responsabilidade em garantir as condições para decolagem e aterrissagem –momentos em que normalmente ocorrem as colisões com aves– são dos controladores dos aeroportos. Rodgerson disse que observa muitos aeroportos com acumulação de lixões, que atraem uma quantidade acima do normal de aves nas pistas.
“Segurança é o 1º valor de toda companhia aérea, então estamos juntos nessa causa”, disse o CEO. “Quem banca esse custo somos nós e os passageiros, os operadores dos aeroportos não bancam esse custo. Uma frustração que nossa indústria tem é que a gente tem que lidar com coisas que estão fora do nosso controle. Nós queremos mais investimentos para os aeroportos, mais investimento para tirar lixo de perto dos aeroportos para deixar eles mais seguros”.
Devido às críticas públicas dos executivos das aéreas na última semana, a ABR (Aeroportos do Brasil) decidiu se manifestar. Ao Poder360, a gerente jurídico-regulatória da ABR, Mariana Menezes, disse que a responsabilidade pelo controle de fauna não é de total responsabilidade dos aeroportos e que existem limites a suas atribuições frente ao tema.
Segundo Menezes, os operadores aeroportuários são responsáveis pela gestão dos limites do aeroporto, mas que na maioria dos casos os focos de lixo que atraem os animais estão localizados fora dos terminais. Nesse caso, o protocolo é comunicar a secretaria de Meio Ambiente da prefeitura local para solicitar a remoção dos detritos, mas na prática Menezes declarou que esse trâmite é lento.
“E é um dos principais problemas, porque a gente tem uma política de meio ambiente, uma política de gestão de cidades que, na prática, não funciona. Por exemplo, eles descobrem que tem um lixão próximo com um foco de Urubu. O aeroporto não pode, ele não tem competência para trabalhar com aquilo. Ele tem que acionar a Secretaria de Meio Ambiente local pra poder pedir ali limpeza, ou então tem uma comunidade de pessoas se instalando ali perto da pista, enfim, eles têm que pedir ajuda porque não têm competência para tirar aquelas pessoas de lá, eles precisam acionar os órgãos locais que, na maioria das vezes são bem difíceis de tratar”, disse Menezes.
A ABR também enviou uma nota ao jornal digital sobre as responsabilidades dos aeroportos em relação ao controle de fauna. Eis a íntegra da nota:
“O gerenciamento do risco de incidentes com aves na aviação é coordenado no âmbito da Comissão Nacional de Risco de Fauna vinculada ao Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), que conta com a participação da ABR e seus associados em conjunto com companhias aéreas, agências reguladoras e órgãos públicos federais e locais.
“As medidas que visam garantir a integridade e segurança estão definidas em regras, nacionais e internacionais, cumpridas pelos 59 aeroportos, e que demandam também esforços e iniciativas junto às administrações municipais.
“Nos últimos anos, os aeroportos brasileiros aprimoraram continuamente suas práticas com mais tecnologia e respeito ao meio ambiente. Entre as principais medidas estão o monitoramento da fauna (manejo de ovos, ninhos e animais), controle de vegetação, remoção de poleiros e abrigos, além de métodos de controle biológico, aves de rapina, como alteração do habitat. Outras ações incluem a instalação de radar para detectar aves, uso de iluminação e pintura nas pistas para repelir animais, e técnicas de afugentamento.
“A ABR, em colaboração com seus associados, cumpre todas as normas legais e contratuais e entende que a atuação responsável e colaborativa é o melhor caminho para manter o alto nível de segurança e eficiência da aviação civil no Brasil.”
Em conversa com o Poder360, o presidente da CNRF (Comissão Nacional de Risco de Fauna) e membro do CNPAA (Comitê Nacional de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), Weber Novaes, disse que a responsabilidade pelo controle de fauna é de todos os envolvidos na operação aeroportuária.
Novaes afirmou que até mesmo as empresas aéreas tem o dever de manter a torre de controle informada do avistamento de pássaros e outros animais próximos a pista, enquanto o aeroporto deve zelar pelo terminal e as prefeituras pelos arredores. O especialista e sócio-diretor da ProHabitat Assessoria Ambiental, declarou que a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) regula as responsabilidades de cada uma das partes, mas que a ausência de um decreto que regulamenta a lei 12.725 de 2012 é um problema para o setor.
O especialista afirmou que o setor aguarda há mais de uma década o regramento das normas de proteção da fauna em aeroportos. “Ele [decreto] vai realmente definir passo a passoo que a gente precisa dar de quem. A coisa mais importante do decreto é de fato proibir e regulamentaras zonas do entorno do aeroporto, onde pode e onde não pode a implantação de determinados empreendimentos.Hoje, se o cara quiser instalar um aterro sanitário [que pode atrair animais] próxima à cabeceira de um aeroportoqualquer ele pode”, disse Novaes.
O Poder360 procurou a Secretaria Nacional de Aviação Civil do Ministério de Portos e Aeroportos para entender o status atual desse decreto, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
BIRD STRIKES PODEM SER FATAIS
De acordo com a Associação Federal de Aviação dos EUA, 90% dos birdstrikes não resultam em qualquer dano ao avião e a viagem. No entanto, já houve casos famosos em que restos de pássaros nas turbinas provocaram manobras de emergência e até mesmo fatalidades.
Novaes disse que o 1º caso de birdstrike que ligou o alerta do setor aéreo para esse tipo de ocorrência foi o chamado “milagre do rio Hudson”. Em 2009, um avião comercial que partia de Manhattan (NY) com destino a Carolina do Norte precisou fazer um pouso de emergência no rio Hudson, que corta a metrópole norte-americana, apenas 6 minutos depois da decolagem. O avião atingiu um grupo de gansos. A grande maioria das colisões com pássaros ocorre na decolagem ou no pouso. Ninguém morreu nessa ocorrência.
“Se você olha na linha do tempo no Brasil, que aqui foi em 2009, é daí pra frente que no Brasil começa a ter legislação, regulamentos que falam desse assunto. Eu me formei em biologia em 2005 e procurando ali alguma área pra se engajar surgiu esse tema muito ainda pontual, era muito incipiente o assunto, muito baseado só em estudos”, disse o especialista.
Já em 2025, aconteceu o acidente aéreo mais fatal da aviação coreana. Em janeiro, um avião da Jeju Air colidiu com um muro durante seu pouso e matou 179 pessoas. O relatório preliminar aponta que partes de pato-de-baikal, uma espécie migratória, foram encontrados nos motores da aeronave. Ainda não é possível concluir que foi a colisão com os pássaros que provocou o acidente.
Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-infra/brasil-registra-2-100-colisoes-de-avioes-com-aves-por-ano/