STF já teve 82 processos conciliatórios no governo Lula

Número é 3 vezes maior do que no governo Bolsonaro; Corte já validou 50 acordos desde 2015

O STF (Supremo Tribunal Federal) iniciou mais processos conciliatórios no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que em qualquer outro. De 2023 a 2025, foram iniciados 82 processos de conciliação. De 2019 a 2022, no governo de Jair Bolsonaro (PL), foram 21.

De 2015 até 2018, a Corte iniciou 2 processos conciliatórios. O levantamento é do Poder360 com dados do Nusol (Núcleo de Solução Consensual de Conflitos) do STF.

A Corte tem buscado soluções consensuais para resolver casos conflituosos. O processo é feito por meio do Nusol, que apoia os gabinetes dos ministros na busca de acordos em ações. O objetivo é priorizar os processos com maior relevância social.

Segundo dados do Nusol, de 2015 até 1º de julho de 2025, o STF registrou 123 processos com proposta de conciliação. Destes, 80 já foram analisados –resultando em 50 acordos homologados. Outros 26 não tiveram acordo, e 43 estão em análise.

As classes processuais que mais tiveram mediação de conflitos foram as ACOs (Ações Cíveis Originárias). Nos últimos 10 anos, o STF iniciou 29 conciliações em ações dessa classe. Em seguida, foram as ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) e as ADPFs (Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental), com 17 e 16 processos, respectivamente.

O ministro que relatou mais casos que envolveram conciliações foi Edson Fachin (18 casos). Atrás dele vêm os ministros Dias Toffoli e Cristiano Zanin, com 15 processos cada um.

O crescimento do número de processos conciliatórios no STF demonstra que a Corte tem mudado a forma de deliberar sobre seus casos. O CMC (Centro de Mediação e Conciliação) –que deu origem ao Nusol–, foi criado em 2020, com resolução editada pelo então presidente ministro Dias Toffoli. A norma foi criada considerando a “necessidade de incentivar mecanismos consensuais na solução de litígios”.

O debate sobre essa atuação da Corte foi retomado com a decisão do ministro Alexandre de Moraes de marcar uma audiência de conciliação no caso do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A AGU (Advocacia Geral da União) decidiu judicializar a questão depois que o Congresso derrubou um decreto do Executivo para aumentar a alíquota. A alta fazia parte da estratégia do Ministério da Fazenda para elevar a arrecadação e cumprir as metas do novo arcabouço fiscal.

Se houver um acordo, essa não seria a 1ª vez que o governo Lula foi ao Supremo, por meio da AGU, para resolver questões relacionadas à arrecadação. Em 2024, ele pediu que a desoneração (isenção ou diminuição de benefícios) da folha de pagamentos a 17 setores empresariais fosse considerada inconstitucional. O impasse terminou em um acordo com o Congresso pelo fim gradual da desoneração.

Outro caso que teve um acordo homologado foram as ações sob relatoria do ministro Flávio Dino que tratavam das emendas parlamentares. Em fevereiro, a Corte validou um plano de trabalho apresentado pelo Congresso para dar mais transparência ao destino dos recursos. O processo não foi encerrado nesta etapa e segue em tramitação, com novas decisões de Dino.

Em junho, o ministro Gilmar Mendes costurou um acordo de proposta de alteração na Lei do Marco Temporal. Foram 23 audiências públicas para chegar a consenso mínimo. O processo adquiriu caráter conciliatório depois que o Congresso aprovou uma lei para instituir o marco temporal na legislação, dias depois de o STF considerar inconstitucional a interpretação anterior.

Em vez de levar as ações a julgamento, Gilmar Mendes criou uma comissão especial com o objetivo de negociar um acordo. O plano apresentado aguarda avaliação e validação pelo STF.

Há ainda outros exemplos de acordos, como o que compensou a perda de arrecadação dos Estados com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ingresso de Minas Gerais e do Rio de Janeiro no Regime de Recuperação Fiscal.

Os acordos são vistos como uma maneira de a Corte se afastar de críticas. A decisão de Moraes por uma conciliação no caso do IOF, por exemplo, foi interpretada como uma tentativa de baixar a temperatura e convocar Legislativo e Executivo à mesa de conciliação.

Para o advogado André Marsiglia, a conciliação proposta pelo Supremo no caso do IOF é “completamente estranha” à função do Tribunal, que julga teses abstratas e não conflitos concretos entre partes.

“Nesse caso, não há interesse de pessoas. Uma conciliação é completamente estranha à função do próprio STF, porque não há uma pessoa concreta que possa falar em nome daquela tese a ser conciliada”, declarou.

Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, os processos conciliatórios são positivos para todas as partes. No entanto, quando o acordo precisa ser feito entre os Poderes Executivo e Legislativo, a questão é mais problemática, porque ambos deveriam ter buscado um consenso antes da judicialização. 

“Estamos diante de uma disfuncionalidade do Legislativo, que não está conseguindo discutir e resolver seus próprios conflitos políticos. […] O governo também deveria ter buscado um diálogo institucional antes de acionar o STF, para tentar uma decisão mais ou menos satisfatória para ambos os Poderes”, disse sobre o caso do IOF.

Já o advogado constitucionalista Georges Abboud enxerga como positiva a prática do STF de tentar acordos. Argumenta que as conciliações têm uma estrutura mais complexa do que as decisões e, por isso, é possível chegar a uma pacificação.

“Há temas de alcance nacional que envolvem problemas federativos em que a conciliação é muito melhor do que a decisão. Isso evita uma decisão ativista do Tribunal”, declarou.

Apesar das críticas ao papel de mediação do Supremo, Abboud defende que as conciliações são uma forma de aumentar o diálogo entre Poderes e diminuir a constância nos embates.

“A conciliação pode gerar acordos muito ruins para um determinado setor, isso é verdade. Mas uma lei ou uma decisão também podem ser. Isso não significa que o acordo é ruim, mas uma forma de aumentar o diálogo entre os Poderes”, disse.

No caso do IOF, o advogado ressalta que não houve uma recusa da AGU ou da PGR sobre uma possível conciliação –o que poderia ter sido protocolado no processo–, o que pode indicar disposição dos órgãos envolvidos, independentemente do Supremo.

Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-justica/stf-ja-teve-82-processos-conciliatorios-no-governo-lula/

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