Guerra passa por estagnação, com evidente cansaço dos 2 lados; conflito completa 3 anos nesta 2ª feira (24.fev)
O avanço da Rússia sobre a Ucrânia reduziu o seu ritmo, mas o país ainda ocupa cerca de 20% do território ucraniano 3 anos após o início da guerra, completados nesta 2ª feira (24.fev.2025). São cerca de 112 mil km² de controle russo sobre território ucraniano, contra aproximadamente 450 km² que a Ucrânia controla na região russa de Kursk.
De acordo com o ISW (Instituto para o Estudo da Guerra), organização que produz relatórios diários sobre as alterações do conflito no terreno, em 2024, as forças armadas russas tomaram 4.168 km² de área do adversário.
Uma porção deste número refere-se à recuperação de territórios na região de Kursk, perdidos para as forças ucranianas durante a 1ª ofensiva do país em grande escala em território russo, em agosto de 2024. Leia a íntegra deste relatório do ISW, em inglês (PDF – 4,7 MB).
A região de Kursk, localizada a sudoeste da Rússia, próximo à fronteira com a Ucrânia, tem uma notável importância geoestratégica. Trata-se de um centro logístico, com rodovias e ferrovias que conectam Moscou ao sul e ao oeste do país, além de ser passagem de gasodutos. Kursk também é rico em recursos naturais, como o ferro.
Para Paulo Bittencourt, cientista político e pesquisador do Nupri-USP (Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP), é possível afirmar um momento de estagnação da guerra, com os governos de Volodymyr Zelensky e Vladimir Putin apresentando desgastes evidentes.
“Há um cansaço de todas as partes envolvidas, tanto da Ucrânia e de seus aliados, sobretudo os aliados europeus, quanto do Kremlin, que está desgastado apesar de tentar não demonstrá-lo”, afirmou.
Veja a evolução dos territórios ocupados desde o início da guerra:
Sinais de desgaste
O principal sinal de desgaste por parte da Rússia, segundo o cientista político, está na queda do regime de Bashar al-Assad, na Síria, em dezembro.
Assad tinha Moscou como principal aliado na guerra civil em seu país que durava mais de 10 anos. “A Síria, por muitos anos, foi uma vitrine da capacidade russa de projetar o seu poder. Essa capacidade se viu reduzida depois de a Rússia ter de se imiscuir em conflitos muito mais próximos ao seu território“.
Soma-se às perdas militares e humanas do lado russo no conflito, as sanções enfrentadas pelo país desde 2014 e intensificadas após 2022, o bloqueio de contas bancárias ocidentais de parte da elite russa, além da limitação do seu mercado de exportações.
O desgaste vindo da Ucrânia e dos aliados europeus se intensifica com um horizonte de incertezas em torno das relações diplomáticas, expostas com o retorno de Donald Trump (Partido Republicano) à presidência dos Estados Unidos.
Na última semana, na Arábia Saudita, foi realizada a 1ª reunião presencial de alto nível entre autoridades americanas e russas desde 2022. O encontro se deu após um telefonema de 90 minutos de Trump a Putin, no qual foram discutidas as condições para um eventual fim da guerra na Ucrânia.
Houve indicações por parte dos EUA de que um acordo não preveria à Ucrânia a restituição de suas fronteiras territoriais pré-2014, quando houve a anexação da Crimeia por parte da Rússia. Segundo o secretário de Defesa norte-americano, Pete Hegseth, este objetivo por parte da Ucrânia seria “irrealista” e “ilusório“.
“O que se desenha, tanto por parte das lideranças russas quanto das estadunidenses, é delegar à Ucrânia um papel de um território a ser conquistado“, acrescentou Bittencourt. Esse papel é reforçado com a exclusão de Zelensky dessas primeiras conversas na Arábia Saudita, além das repetidas declarações de Trump exigindo os metais das terras raras em troca dos repasses oferecidos à Ucrânia.
Também excluídos desse diálogo, líderes europeus reuniram-se para definir uma estratégia coordenada e coletiva para a defesa nesse contexto de afastamento dos EUA, aliados históricos da porção ocidental do continente desde o fim da 2ª Guerra Mundial (1939-1945).
Uma fotografia do momento
Segundo o ISW informou em 19 de fevereiro, a Ucrânia segue realizando ataques com drones contra instalações de energia que abastecem as forças armadas russas. Recentemente, houve operações próximo a Vovchansk, no nordeste ucraniano, perto de Kharkhiv, e Toretsk, na região separatista de Donetsk. Leia a íntegra deste relatório, em inglês. (PDF – 3,9 MB)
Apesar de não ter sido registrado nenhum avanço relevante, a Ucrânia segue com operações em Oblast de Kursk, onde enfrentam os ataques terrestres das forças russas.
A Rússia, por sua vez, realiza ofensivas no leste ucraniano, em Borova, também na região de Kharkiv, e nas cidades de Siversk, Pokrovsk, Kurakhove e Velyka Novosilka, todas em Donetsk.
De acordo com artigo do IISS (International Institute for Strategic Studies), think tank britânico, em 2024, estima-se que a Rússia tenha perdido cerca de 1.400 tanques de batalha principais e mais de 3.700 veículos de combate de infantaria e veículos blindados de transporte pessoal.
“Apesar desses números surpreendentes, a Rússia conseguiu reconstituir algumas dessas perdas contando com o equipamento soviético armazenado“, escreveram Yurri Clavilier e Michael Gjerstad, analistas de pesquisa em defesa e programas militares.
Já as forças armadas ucranianas não se encontram em uma situação especialmente crítica em equipamentos militares. Mas seu principal desafio atual se refere a recursos humanos.
Segundo os pesquisadores, muitas das brigadas do país tiveram um processo caótico de formação. Alguns batalhões que acabavam de ser formados foram destacados para reabastecer a linha de frente e enfrentaram duros combates. Isso provocou um aumento significativo das baixas.
Ainda segundo o artigo, esses problemas são mencionados com frequência pelos ucranianos como o principal fator de dissuasão para se voluntariar ao serviço militar.
Apesar de uma relativa segurança quanto aos equipamentos militares, essa situação poderia se deteriorar caso haja uma redução de repasses do Ocidente.
“É provável que sejam necessárias mais armas, especialmente sistemas modernos de fabricação ocidental. Se o Ocidente reduzisse ou interrompesse seu apoio, a situação se degradaria seriamente no médio prazo“, afirmaram os pesquisadores.
Repasses à Ucrânia: relativamente baixos, mas constantes
Durante os 3 anos da guerra, os repasses dos países em apoio à Ucrânia foram relativamente baixos, mas contínuos, segundo dados da organização alemã Kiel Institute for the World Economic. Leia a íntegra do estudo, em inglês. (PDF – 939 KB)
Ao todo, entre janeiro de 2022 e dezembro de 2024, a Ucrânia recebeu o equivalente a € 267,19 bilhões em repasses, quase a metade em apoio militar (€ 130 bilhões, 49%).
Os países da Europa foram as principais fontes de doações, principalmente no que tange a recursos financeiros e ajuda humanitária.
Somando-se os repasses dos integrantes da União Europeia e outros países europeus que não fazem parte do bloco, foram alocados € 132,27 bilhões a Kiev. O 2º maior doador foram os EUA, que, sozinhos, doaram o equivalente a € 114,15 bilhões.
Juntando os montantes de todos os países doadores, foram repassados, além do apoio militar, € 118 bilhões em auxílio financeiro (44%) e € 19 bilhões em ajuda humanitária (7%).
Eis a divisão dos valores por país:
A ajuda à Ucrânia, no entanto, é relativamente baixa, quanto tomada em proporção ao PIB (Produto Interno Bruto) dos doadores.
Levando-se em consideração o total de doações ao longo de 3 anos contra o PIB anual, países como a Alemanha doaram cerca de 0,7%, enquanto o Reino Unido, os Estados Unidos e a França ficaram em torno de 0,5%.
“Quando olhamos para os orçamentos dos maiores doadores europeus, a ajuda à Ucrânia parece mais um ‘projeto de estimação’ do que um grande esforço fiscal“, afirmou Cristoph Trebesch, chefe do “Rastreador de Ajuda à Ucrânia”, do Kiel Institute.
Além dos entraves econômicos e fiscais, os europeus enfrentam também desafios políticos internos para assegurar os repasses.
Para Paulo Bittencourt, os 3 anos de conflito foram também marcados pela ascensão de líderes nacionalistas na Europa, que, assim como Trump, galvanizam seu eleitorado questionando o envio de recursos aos ucranianos.
“Alguns países, como, por exemplo, a Eslováquia e a Bulgária, olham para a guerra e dizem: ‘esse conflito não é meu, não tenho nada a ver com isso’. Outros líderes de extrema-direita nacionalistas também afirmam não ver razões em doar dinheiro para a Ucrânia“, explicou.
Perdas humanas
Precisar o número de vítimas ao longo dos 3 anos da guerra da Ucrânia tem sido uma tarefa difícil. Tanto o governo de Zelensky quanto o de Putin recusam-se a divulgar estimativas oficiais e, muitas vezes, informam dados que não são confiáveis nem podem ser verificados de maneira independente.
Na estimativa mais recente do ACNUDH (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) divulgado na 6ª feira (21.fev.2025), desde o início da guerra, em 22 de fevereiro de 2022, foram mortos 12.654 civis na Ucrânia. Mais 29.392 ficaram feridos. Leia o documento (PDF – 34 KB).
Dentre os mortos dos quais as idades são conhecidas, 673 eram crianças, enquanto entre os feridos, 1.865. Apesar de a população com mais de 60 anos na Ucrânia constituir 25% da população total, ela representa quase metade dos civis mortos.
Também de acordo com a agência da ONU, até fevereiro de 2025, cerca de 4 milhões de pessoas foram deslocadas internamente na Ucrânia e 6,8 milhões estão refugiadas.
Segundo o ACNUDH, em 2024, no total, houve um aumento de 30% de mortos e feridos civis em comparação a 2023.
“É provável que o número real de vítimas civis seja consideravelmente maior, pois muitos relatos, particularmente logo após o ataque armado de 24 de fevereiro de 2022, não foram verificados, devido à impossibilidade de acesso“, informou o documento.
Quanto às perdas militares, também há incertezas de ambos os lados. O Kyiv Independent, jornal ucraniano de língua inglesa, diz que morreram 148.359 soldados dos 2 países.
Linha do tempo
Leia um resumo dos principais movimentos nestes 3 anos de guerra: