PSDB nunca mais se diferenciou, diz cientista político

Segundo Henrique Curi, que pesquisa o PSDB há anos, o partido se descaracterizou e se tornou “igual” aos demais da oposição

“De tucano-tuco a araçari miudinho”. Com essa analogia o cientista político Henrique Curi, professor da FespSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), define a derrocada do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) na última década. A sigla, que polarizou a política brasileira com o PT (Partido dos Trabalhadores) de 1994 a 2014, negocia fusão com outras legendas.

Na prática, o partido fundado por políticos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-governador paulista Mário Covas (1930-2001) e o ex-ministro do Trabalho Franco Montoro (1916-1999) está em vias de deixar de existir –ao menos com esse nome e com o número 45.

Se o PSDB não melhorar seu desempenho eleitoral em 2026, corre o risco de cair na cláusula de barreira, mecanismo que define critérios para que partidos tenham acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita em rádio e TV –exatamente com o objetivo de reduzir o número de siglas.

Com isso, a legenda se vê forçada a buscar uma alternativa. A principal sobre a mesa é a de fusão. A possibilidade mais adiantada, segundo líderes do partido, é com o Podemos.

2014: começo da derrocada

Segundo Henrique Curi, o ponto fundamental para o início da derrocada do PSDB foi a eleição presidencial de 2014, quando, pela 1ª vez, a sigla lançou como candidato alguém de fora do Estado de São Paulo, o deputado federal Aécio Neves (MG). “Ainda que Minas Gerais sempre tenha estado ali na cola, o PSDB é um partido essencialmente paulista, então já se cria ali um arranjo diferente dentro do partido”, afirma.

Curi é mestre em ciência política pela Unicamp (Universidade de Campinas) e autor da dissertação “Ninho dos Tucanos: o PSDB em São Paulo (1994-2018)”. Atualmente, desenvolve tese de doutorado justamente sobre a derrocada do partido, também na Unicamp.

“Em 2014 o PSDB tem a melhor performance desde 1998 (quando FHC foi reeleito no 1º turno). O PSDB chega muito perto de vencer. Frustrados com mais uma derrota e por terem chegado tão perto, o PSDB comete um erro, e aí entra uma parte nociva do PSDB para a democracia brasileira, que é contestar a lisura das eleições”, declara o especialista.

Em 30 de outubro de 2014 o partido pediu uma auditoria ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para verificar a “lisura” da eleição que havia dado vitória a Dilma Rousseff (PT) 4 dias antes. Depois, em 2015, o então líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Carlos Sampaio (SP) –hoje no PSD– apresentou um relatório independente dizendo que o sistema da Corte Eleitoral não é auditável e pedindo voto impresso.

Aquele momento foi uma virada de chave, de acordo com Curi: “Pode parecer pequeno, mas foi o momento em que o PSDB começa a abrir mão de alguns valores e princípios para vencer de qualquer forma”.

A antipolítica devorou a política

Dali em diante, os tucanos deram uma guinada à direita. Aderiram à corrente antipolítica em 2016 e saíram como os grandes vencedores das eleições municipais, com 804 prefeitos, entre eles os de 7 capitais. Em São Paulo, emplacou João Doria no 1º turno, com a imagem de “gestor”, e não de político. “Mas a que custo?”, pergunta Henrique Curi.

“Ora, o PSDB é um partido tradicional. O PSDB é a política. Essa estratégia é quase um suicídio, não eleitoral, naquele momento, mas organizacional”, diz o cientista político. O outro ponto fundamental, para ele, também é protagonizado por Doria, quando, ainda no 1º turno, o então candidato ao governo de São Paulo abandona a candidatura tucana à Presidência (Geraldo Alckmin) e começa a campanha “BolsoDoria”.

“O partido não foi capaz, mesmo com 2 governos nacionais, de construir uma fidelidade entre suas próprias elites e entre os filiados e uma identificação partidária com o eleitor. Então, a gente não sabe mais o que é ser tucano. Isso fez com que ele, aos poucos, caminhasse de uma oposição protagonista para uma oposição esquecida, e não se diferenciou nunca mais”, declara Curi.

De acordo com ele, o PSDB se acostumou a ser “um partido antipetista” e deixou de pautar “novos valores e projetos para o país”. Segundo Curi, o partido construiu nos anos 1990 uma proximidade com as universidades, principalmente no eixo Sudeste, e ganhou uma imagem de “partido dos intelectuais”. Contudo, ao longo do tempo foi perdendo essa característica.

“Hoje não há uma diferenciação clara do PSDB frente a outros partidos de oposição. Já não sabemos diferenciar o PSDB do PSD, por exemplo”, declara.

Máquina não faz milagre

A pá de cal, para o cientista político, foi a perda do governo de São Paulo nas eleições de 2022. Naquele ano, o PSDB deixou de apresentar candidato ao Palácio do Planalto pela 1ª vez desde sua fundação. Concentrou todas as fichas em manter sob a sigla o Palácio dos Bandeirantes, dominado pelos tucanos desde 1994 (7 eleições seguidas). Contudo, Rodrigo Garcia ficou estacionado no 1º turno, com 18,4% dos votos.

“O partido governava desde os anos 1990, no mínimo, o Estado mais rico e populoso do país. Tinha São Paulo como carta na manga e até trunfo de negociação, e achava que sempre iria vencer o Estado por causa da máquina, só que a máquina não faz milagre”, diz Curi. Para ele, escolher um candidato pouco conhecido e com pouco histórico partidário foi um erro estratégico.

“Já tinha naquele momento a perda do protagonismo nacional, mas a atuação do João Doria na pandemia deu um recado de que talvez o partido ainda pudesse voltar a crescer, e a eleição de 2022 dá o recado final de que não é bem assim”, afirma. Além disso, Curi argumenta que 2022 trouxe outro elemento fundamental para mostrar que o PSDB “estava em apuros”: a saída de quadros históricos, simbolizada em Alckmin.

O cientista político explica que o PSDB combinou ao longo do tempo uma estrutura organizacional formal descentralizada, mas com um processo decisório informal centralizado. As grandes decisões eram tomadas, segundo ele, em petit comité, por seus principais líderes.

“Quando você combina essa descentralização formal e essa centralização informal, você acaba criando uma relação degenerativa entre os integrantes. […] O partido teve a chance de corrigir essa distorção e não fez”, declara. Para ele, isso contribuiu para o partido ser facilmente “desmontado” quando abriu espaço para candidatos outsiders sem os “valores e tradições” do PSDB.

Importância histórica

Henrique Curi afirma que o PSDB teve um “papel fundamental para o regime democrático brasileiro”, primeiramente por ter sido formado por “líderes políticos fundamentais para a consolidação” da democracia. “Quando a gente fala em fundadores do PSDB, a gente tá falando de pessoas que pensaram o regime democrático para o país”, declara.

Segundo ele, a sigla assumiu o comando do Executivo com FHC em um momento em que a democracia ainda estava sendo construída e teve um papel “fundamental” no governo para o fortalecimento das instituições. E, depois, enquanto oposição aos primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a oposição democrática feita pelo PSDB “pode parecer banal, mas foi um alinhamento importante” para o regime, diz o pesquisador.

O PSDB ascendeu nos seus anos iniciais de forma rápida. Foi fundado em 1988 e, já em sua 1ª eleição nacional, em 1989, fez 9 senadores e 38 deputados. De acordo com Curi, esse sucesso se deve a ele ter sido criado como um “partido de quadros”, por pessoas já experientes e que tinham um eleitorado.

“O fator ideológico foi importante para a formação da nova sigla, mas isso não quer dizer que o fator ideológico tenha sido importante para o sucesso do PSDB. Eu não acho que a gente tivesse, naquele momento, um eleitor social-democrata. Acho que tem muito mais a ver com as elites que conseguiram constituir uma sigla de sucesso eleitoral”, afirma.

Alternativa honrosa

Curi diz que, por conta dessa trajetória histórica ligada à redemocratização, a saída mais honrosa para o PSDB seria “retornar ao MDB”. Deixa claro, contudo, que essa se trata de uma opinião “mais pessoal do que profissional”.

“Ainda que o PSDB mantenha alguns quadros históricos, ele se desconfigurou muito. Eu não digo que o partido com o qual ele venha a se fundir ou se incorporar seja indiferente, mas ele conseguiu se tornar tão igual aos outros que a fusão com qualquer um deles (MDB, PSD, Podemos, Solidariedade ou Republicanos) não é algo que assusta. Mas, historicamente, por suas bandeiras, uma alternativa honrosa talvez fosse voltar ao MDB”, declara.

Tucanos sob risco de extinção

Uma Emenda Constitucional promulgada em 2017 estabeleceu o mecanismo da cláusula de desempenho. Trata-se de uma barreira com critérios para que partidos tenham acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita em rádio e TV. O objetivo é reduzir o número de siglas, estimulando as menores a se fundirem entre si ou se incorporarem às maiores, para melhorar a governabilidade.

Há hoje 11 legendas com representação na Câmara que estão perto da linha de corte. Uma delas é o PSDB. O partido tem 13 deputados, de 8 Estados diferentes. O piso da cláusula de barreira em 2026 será de 2,5% dos votos válidos ou 13 deputados distribuídos em 9 unidades da Federação. Isso significa que, se todos os congressistas tucanos atuais forem reeleitos no ano que vem, mas o partido não fizer nenhum deputado a mais em outra UF, o ele perderá o acesso ao financiamento público e ao tempo de TV.

Com isso, o PSDB se vê forçado a buscar uma alternativa. Seus líderes negociaram com com diversas legendas nos últimos meses. Houve conversas com líderes de MDB, PSD, Republicanos, Solidariedade e até PDT, mas a conversa que foi para a frente foi com o Podemos.

O presidente do PSDB, Marconi Perillo, marcou uma reunião semipresencial da executiva para a próxima 3ª feira (29.abr.2025), às 10h, com o objetivo de bater o martelo.

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Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-partidos-politicos/psdb-nunca-mais-se-diferenciou-diz-cientista-politico/

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