Aloysio Nunes, Fábio Feldmann, José Aníbal e Yeda Crusius apontam erros que fizeram o partido derreter na última década
A poucos meses da data em que viria a ser promulgada a Constituição Federal (5.out.1988), um grupo de dissidentes insatisfeitos com os rumos que o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) tomou no governo José Sarney (1985-1990) convocou uma reunião. Do encontro, em 24 e 25 de junho de 1988, saiu um novo partido: o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira).
A ata foi assinada por 119 pessoas. Eram políticos, líderes de organizações e acadêmicos que combateram a ditadura militar (1964-1985) e se viam à esquerda do MDB. O discurso que marcou a fundação do PSDB coube a Franco Montoro, ex-ministro do Trabalho de João Goulart (1961-1964). Em suas palavras, a nova agremiação nascia “longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas, para fazer germinar novamente a esperança”.
Em sua 1ª eleição nacional, 1 ano depois, o PSDB fez 9 senadores e 38 deputados. Na 2ª eleição direta para presidente, em 1994, emplacou Fernando Henrique Cardoso no 1º turno. FHC governou até 2002, mas não conseguiu fazer seu sucessor, José Serra.
Desde então, o PSDB foi ao 2º turno por mais 3 eleições, mas nunca voltou ao governo –à Esplanada, só com Michel Temer (PMDB), de 2016 a 2018. Depois disso, o partido derreteu. Está agora em vias de se fundir com o Podemos, para não perder acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV.
Ascensão e queda do PSDB: marcos históricos do partido
Algumas pessoas acompanharam essa história de perto, como atores fundamentais desse processo. Quatro desses “tucanos históricos” falaram ao Poder360 sobre o que fez o PSDB sair de protagonista da política nacional a moribundo. Suas trajetórias na sigla seguem caminhos diversos, mas eles são unânimes em dizer que o partido “se descaracterizou”.
Pane no sistema
Para o ex-deputado constituinte Fábio Feldmann, que foi um dos fundadores do PSDB, esse processo de “descaracterização” começou no fim do mandato de FHC. “O partido teve dificuldade de se encontrar no espectro político e nunca teve capacidade de fazer oposição ao PT com base em uma agenda”, declara. Segundo ele, com o afastamento do poder, o PSDB não conseguiu se manter inserido na sociedade.
Aloysio Nunes, ex-ministro da Justiça e das Relações Exteriores, afirma que a raiz dos problemas do PSDB está no apagar das luzes do governo Dilma Rousseff (PT), em 2016. Segundo ele, o partido fez uma “aliança tática” com a direita pelo impeachment, que acabou “engolindo” o partido. “Fizemos isso em má companhia e a tal ponto que, quando surgiu um líder de extrema-direita desinibido, nosso eleitorado se confundiu com a extrema-direita”, declara.
Nunes, que hoje comanda o escritório da ApexBrasil na Europa –nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)–, critica a aversão ao PT que tomou conta do partido. “O antipetismo se transformou em motivação política fundamental do PSDB, a partir da ideia falsa e oportunista de que o PSDB deve ser um caminho entre os 2 extremos”, afirma. Segundo ele, os tucanos estão, com essa posição, “se resignando a não combater a extrema-direita”.
O ex-senador José Aníbal vê a origem da “situação ruinosa” no ingresso de figuras como o ex-governador paulista João Doria, a partir de 2016. “Ele fez o BolsoDoria, já no 1º turno [da eleição de 2018], e aquilo foi contaminando o partido”, afirma. Além disso, Aníbal, que hoje preside o PSDB na cidade de São Paulo, diz que o partido não percebeu a inoculação do “germe da intolerância” na política a tempo no período entre 2016 e 2018.
Terroir democrático
Yeda Crusius, ex-ministra do Planejamento e ex-governadora do Rio Grande do Sul, afirma que o PSDB era um partido com “terroir” –palavra em francês que remete à origem e ao conjunto de características que define um bom vinho. “O PSDB nasceu como um partido de quadros, nasceu da Constituinte. Em termos de democracia, o PSDB nasceu com terroir”, declara.
Contudo, segundo ela, o partido foi mudando “aos poucos” e passou a ser “muito parecido com os outros”. Para Yeda, o PSDB “assinou sua extinção” quando abalou-se a democracia interna da sigla e a política nacional e mundial “se dividiu em extremos”.
“Nos faltou a seiva do centrismo, aquela seiva de aceitar a diversidade dentro do partido”, afirma. De acordo com a ex-ministra, que também foi a 1ª presidente do PSDB Mulher, essa “desfuncionalidade” frente ao mundo exterior fez o PSDB perder a capacidade de liderar, “e então o terroir do partido não estava mais encontrando terras”.
Passarinho que já nasce adulto
Para Feldmann, outro problema que acometeu o PSDB é ter se ancorado por muito tempo em líderes que não abriram espaço para os mais jovens. “Você não vê uma geração depois deles com um mínimo de protagonismo. Isso explica, na minha opinião, a crise partidária não só no PSDB, mas no Brasil. É o caso do PT também e de quase todos”, declara.
“Quando o PSDB tinha seus grandes líderes ocupando a Presidência, o governo de São Paulo e outros espaços de poder importantes, eles tinham um poder de influência muito grande na posição do partido. Na medida que isso deixou de existir, o partido perdeu muitas das suas bandeiras. E, com isso, perdeu a importância”, diz o ex-deputado.
Tucano bica pra que lado?
Aloysio Nunes deixou o PSDB em junho de 2024, depois de 27 anos no partido. A motivação, diz ele, foi a guinada à direita da sigla. “Eu acho que o PSDB se situou na direita e eu sou um homem de esquerda, como é o Fernando Henrique, como é o Serra. A gente tem uma sensibilidade social-democrática que eu acho que se perdeu no partido” afirma.
Feldmann concorda: “O que restou do partido é marcado por uma heterogeneidade muito grande, pessoas com posições radicalmente contrárias à história do PSDB. O PSDB se descaracterizou através dos seus deputados e senadores. É inacreditável parlamentares ultraconservadores e muitas vezes com trajetórias discutíveis estarem no PSDB. É um PSDB muito distante do que foi”.
José Aníbal cita como exemplo dessa guinada à direita a briga recente envolvendo os 5 deputados tucanos que assinaram o requerimento de urgência do PL da anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. “As grandes lideranças do PSDB foram todas elas perseguidas, cassadas e exiladas pela ditadura. Não tem como o PSDB anistiar gente que claramente conspirou para abolir o Estado democrático de Direito. Aqui tem um campo. Ou você joga de um lado, ou joga do outro”, declara.
Espaço aberto
Fábio Feldmann não está mais no PSDB desde 2005. Ambientalista desde antes de entrar para a política, foi para o PV por considerar que a elite tucana deixou de lado a agenda ambiental. Contudo, diz sentir “nostalgia” do que representou o PSDB e “orfandade” pelo espaço ocupado pela sigla. “O partido abrangia um eleitor de centro-direita. Ele deixou de ocupar esse espaço, que ainda está órfão e sem perspectiva de ocupação na polarização que tem hoje”, afirma.
“Existe essa saudade, que não é do PSDB, mas de haver uma posição de centro para o país. Esse espaço não está ocupado, de um centro programático, que era o PSDB, com todas as dificuldades, que tinha uma identidade. A sociedade demanda por uma coisa dessas”, diz o ex-congressista.
José Aníbal diz ver uma “revitalização do desejo de que o PSDB possa voltar a ter presença”. Nesse caso, segundo ele, seria não o partido de antes, mas um “novo PSDB sintonizado com os anseios da sociedade”. O ex-senador se diz “motivado” com o cenário atual. “Alguns desistiram, eu não desisti. Você acha que algum outro partido me sensibiliza? Em princípio, não”, declara.
“Eu acho que o PSDB ainda tem uma camiseta. Tá um pouco puída, um pouco gasta, mas você tem que tentar. Nós temos alguns meses para tentar uma reanimação do partido. O PSDB não pode ser exatamente igual a esse Centrão que opera no Congresso”, diz Aníbal.
Além disso, Yeda Crusius afirma que “a realidade atual exige a construção de um partido com valores e com terroir democrático” e que o PSDB é “um exemplo de construção de um partido aberto e que aceita todas as diversidades”.
Marcado na história
Para José Aníbal, existe no Brasil uma “memória histórica” sobre o PSDB, que é praticada pela sociedade. “As pessoas ficam indignadas com inflação, com custo de vida, que vestiram a camisa do Plano Real e da consolidação da democracia a partir de reformas que nós fizemos”, afirma.
Segundo Aloysio Nunes, os líderes políticos que viriam a criar o partido desempenharam um papel importante na redemocratização, “mais orientados para uma visão social-democrata”. Além disso, o ex-chanceler afirma que “a ação reformista do governo FHC é perene e se prolonga até hoje”.
“Você tem uma presença marcante e persistente das políticas na sociedade e na economia brasileira, que formou as bases de mudanças profundas e que não foram desfeitas. É uma presença duradoura e que vai além da força do partido propriamente dito. Isso porque o governo FHC e o PSDB traduziram na prática em políticas públicas os valores social-democráticos da Constituição de 1988”, declara Nunes.
Yeda Crusius relembra o momento de criação do PSDB: “A gente tinha ali a queda do Muro de Berlim, a construção da União Europeia, a eleição de Nelson Mandela, a criação de uma moeda estável, que foi o euro, e em 1994 foi o real, no Brasil”. Isso, segundo ela, foi o roteiro de uma “história bem-sucedida, porque o mundo pedia democracia”.
Para a ex-ministra, o PSDB “cumpriu a sua função” e fez parte da consolidação de “tudo que há de democrático nas políticas sociais” do Brasil. “O PSDB é feito do cumprimento das promessas do Tancredo Neves, da Constituinte e do respeito às regras da Constituição”, declara.
Fusão com o Podemos
O presidente do PSDB, Marconi Perillo, marcou uma reunião semipresencial da executiva para a próxima 3ª feira (29.abr.2025), às 10h, com o objetivo de bater o martelo sobre a fusão com o Podemos.
Para José Aníbal, o partido ainda terá uma missão depois da fusão. “Nós precisamos de tempo. Tempo urgente para ver o quanto a gente consegue de mobilização e de sintonia com a sociedade, seus anseios e desafios cotidianos. Muita coisa a gente já sabe, mas tem que elaborar isso e transformar em um discurso que tenha adesão e apelo”, afirma.
Aloysio Nunes vê essa articulação como “algo natural diante das ameaças de desaparecimento” e “um movimento defensivo correto para salvar a carreira política e a presença das suas lideranças atuais”. Além disso, diz achar positiva a aglutinação de partidos para “reduzir o grau de fragmentação e contribuir para uma vida parlamentar melhor organizada”.
Contudo, Nunes diz que não vê diferenças essenciais entre os partidos da centro-direita e que a junção do PSDB com o Podemos ou outro partido do espectro não vai causar “uma grande mudança na vida política brasileira”.
Para Fábio Feldmann, isso demonstra a “pequenez do PSDB de hoje”, que negocia com “pequenas agremiações com pouca representatividade e que não tiveram expressão nenhuma na história do Brasil recente”.
Tucanos sob risco de extinção
Uma Emenda Constitucional promulgada em 2017 estabeleceu o mecanismo da cláusula de desempenho. Trata-se de uma barreira com critérios para que partidos tenham acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita em rádio e TV. O objetivo é reduzir o número de siglas, estimulando as menores a se fundirem entre si ou se incorporarem às maiores, para melhorar a governabilidade.
Há hoje 11 legendas com representação na Câmara que estão perto da linha de corte. Uma delas é o PSDB. O partido tem 13 deputados, de 8 Estados diferentes. O piso da cláusula de barreira em 2026 será de 2,5% dos votos válidos ou 13 deputados distribuídos em 9 unidades da Federação. Isso significa que, se todos os congressistas tucanos atuais forem reeleitos no ano que vem, mas o partido não fizer nenhum deputado a mais em outra UF, o ele perderá o acesso ao financiamento público e ao tempo de TV.
Com isso, o PSDB se vê forçado a buscar uma alternativa. Seus líderes negociaram com com diversas legendas nos últimos meses. Houve conversas com líderes de MDB, PSD, Republicanos, Solidariedade e até PDT, mas a conversa que foi para a frente foi com o Podemos.
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