Lobby defende transparência e negocia regulamentação, diz Abrig

Dirigentes do setor dizem que o estigma em torno da profissão pode ser reduzido com novas regras e comportamentos mais técnicos

O estigma em torno do trabalho de lobistas, tratados às vezes como autores de corruptelas e negociatas, pode estar com os dias contados. Ao menos, essa é a expectativa da Abrig (Associação Brasileira das Relações Institucionais e Governamentais), defensora da regulamentação da profissão.

Dirigentes da entidade dizem que o trabalho dos lobistas, também chamados de profissionais de relgov (relações governamentais) ou rig (relações institucionais e governamentais), são inerentes às democracias. E que a regulamentação –em discussão no Senado– é parte da solução.

“Levamos a todas as instâncias informações que podem contribuir para um melhor ambiente regulatório. Quanto mais técnico for o lobby, menor será o estigma. O que as pessoas não gostam é da conversa de pé de orelha, da combinaçãozinha no churrasco do fim de semana. Isso não é lobby“, disse o presidente Abrig, Jean Carlo Castro, ao Poder360.

Assista à entrevista completa (53m33s):

Ao lado de Jean, o vice-presidente da entidade, Eduardo Fayet, declarou que o trabalho do lobista passou por um processo de profissionalização ao longo das últimas décadas. E que os dados mostram esse novo perfil.

Hoje, os profissionais que mais fazem lobby são formados em direito, seguido por comunicação. Os salários variam de R$ 5.000, para trainees, a R$ 100 mil, no topo das estruturas. A média de idade dos profissionais é de 44,8 anos. Cerca de 65% têm pós-graduação e 30% têm doutorado.

Leia a seguir trechos da entrevista com Jean Carlo Castro e Eduardo Fayet ao Poder360. As falas foram compiladas como posições da entidade para facilitar a leitura:

ESTIGMA DO LOBBY – “Não à toa, chamamos hoje, no Brasil, não de lobista, mas profissional de relações institucionais e governamentais. A nossa entidade [Abrig] conseguiu, em 2018, que a profissão fosse inserida no código brasileiro de ocupações. Já pensávamos em mostrar que o lobby não tem nada de errado e é uma característica das democracias. Não há lobby em ditaduras. Existem os amigos do rei. Não há pesos e contrapesos e são poucos que conseguem ter voz para levar seus reclames e sugestões. Digo aos jovens que entram na profissão que eles precisam ter responsabilidade, pois são agentes da democracia. Levamos a todas as instâncias informações que podem contribuir para um melhor ambiente regulatório. Temos a informação mais técnica possível, da vivência, da dinâmica de determinado modelo de negócios. Somos o início do debate tecnocrata. O lobby, quanto mais técnico for, menor será o estigma. Quando um setor leva alguma informação tecnicamente consubstanciada que faça sentido para as pessoas, reduz muito a imagem negativa. O que as pessoas não gostam é da conversa de pé de orelha, da combinaçãozinha no churrasco do fim de semana. Isso não é lobby.”

Para Jean Carlo Castro, presidente da Abrig e CEO da Vector, o lobby precisa ser técnico para romper com o estigma das negociatas

REGULAMENTAÇÃO DO LOBBY – “É um tema sensível. Não à toa, a tramitação tem se alongado. Foram 15 anos desde a entrada do projeto na Câmara, em 2007, até a sua aprovação na Casa, em 2022. No Senado, teve um parecer aprovado em uma das comissões temáticas. É um projeto importante e sua qualidade vai impactar a vida dos profissionais. Não pode assustar e trazer obrigações acessórias que impedem a ação das pequenas consultorias. Uma emenda traz mais prestações de contas. Esses profissionais já prestam contas à Receita Federal. Qual a outra prestação de contas? Começa a burocratizar e assustar. Não podemos errar a mão. É importante ter a regulação e o ponto é a transparência. Isso se obtém simplificando o ambiente regulatório. Precisamos mostrar quem os profissionais representam, quais interesses e assuntos estão debatendo. Há o risco de acontecer o mesmo que nos EUA. Empresas que faziam representação de interesses migraram para outros modelos de negócio para escapar de uma legislação que inviabilizava a operação. É uma curva de aprendizado. Fizemos estudos comparados. Acreditamos que o projeto precisa garantir transparência e ética. E caracterizar o lobby: como é que funciona, o que é e o que não é. Também precisamos de acesso e identificação. O Estado brasileiro e a sociedade têm que saber quem faz lobby. Essa pessoa, essa organização, essa empresa, tem um nome, um CNPJ. Aí não teremos essa coisa da conversa do pé da orelha, do amigo do amigo, do churrasquinho no final de semana que ninguém sabe o nome nem as pessoas que estão lá.”

DADOS DO LOBBY – “Na Abrig, temos aproximadamente 600 associados somando pessoas e empresas. E estamos ampliando. Temos grandes empresas e grupos nas associações de indústrias, farmacêuticas, confederações. Hoje, temos em torno de 12.000 profissionais [de lobby] no Brasil. Está crescendo. O volume de empresas com 5 ou mais profissionais de lobby cresceu de 31% de 2019 para 56% em 2024. Os profissionais que trabalhavam como autônomos passaram de 18,2% para 7,8%. É uma atividade profissional que demanda riqueza acadêmica e experiência profissional, acúmulo de informações e especificidades que dão ao profissional uma capacidade de representação muito grande e uma experiência profissional com visão 360. Vemos o modelo de negócio, o ambiente regulatório e o ambiente político. E aplicamos técnica de análise política. Em levantamento com 70 empresas que se identificam como empresas de lobby, a maior parte dos profissionais são formados em Direito. A 2ª maior incidência é comunicação. Engenheiros são só 3%. Dessas empresas, 61% estão em Brasília e 21% em São Paulo. As variações salariais são amplas. Os trainees ganham entre R$ 5.000 e R$ 6.000. No nível gerencial, R$ 15.000. E chega a R$ 100.000 para CEO ou vice-presidente. Os padrões de exigência são altos. Não basta ter boa formação, precisa ter experiência, noção de como elaborar uma tese para representar determinado interesse. Por isso os salários são relativamente altos. A responsabilidade é alta. Essas pessoas são a voz e a imagem da empresa. A idade média dos profissionais passou de 44,8 anos para 43,2 e 65% dos associados têm pós-graduação e 30% têm doutorado.”

AGÊNCIAS DE COMUNICAÇÃO E LOBBY – “A comunicação é importante para o lobby. A linguagem, a forma e o acesso aos meios de divulgação são movimentos conjuntos e já acontecem em diversos países. No modelo de negócios, ficou naturalizada essa anexação das duas vertentes numa só empresa. Há ganho técnicos e de seriedade. Você já começa a planificar desde o início qualquer que seja a tese que você vai levar para um debate público, considerando todas as fases importantes dessa mensagem chegar da melhor forma e obter sucesso no seu pleito. Fundir funções que têm uma finalidade única por serem complementares uma para outra. Você une a visão política aos mestres da comunicação. Há dois desafios nessa área: conscientizar o setor privado do timing do setor público e transformar a linguagem técnica para o momento e o ambiente político. É a resposta a essa pergunta.”

Eduardo Fayet, vice-presidente da Abrig, diz que o mercado demanda profissionais cada vez mais qualificados para desempenhar o papel de representantes de interesses

EX-POLÍTICOS NO LOBBY – “Há um conjunto de usos e costumes na política brasileira no modelo de governo e de relacionamento. Temos peculiaridades, vantagens e desvantagens na comparação com outros países. Se você parar para pensar que um determinado cidadão se dedica à vida pública durante 20 anos e deixa de exercer essa atividade, seja deputado ou senador, qual o seu maior ativo? Relacionamento. Há parlamentares que são empresários. Mas há outros que por vocação representam sua região, município, Estado. A vivência política agrega em qualquer conversa. Como você diz a uma pessoa dessas que mesmo passando um período de quarentena ele não pode representar interesses? Com condições iguais de tratamento para todos os profissionais, não vejo problema. Nos Estados Unidos, há quarentena cruzada. Se você é membro do Executivo e vai representar interesses, tem que ficar um ano sem entrar em ambientes relacionados ao Executivo. O mesmo com o Legislativo. Achamos interessante. O ex-político não pode ser favorecido, entrar em ambientes onde outros profissionais não podem”.

Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-governo/lobby-defende-transparencia-e-negocia-regulamentacao-diz-abrig/

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