França busca estabilidade em meio a aperto fiscal

Premiê François Bayrou passará por voto de confiança na 2ª feira (8.set) para aprovar orçamento e conter descontentamento

A França se prepara para a possível queda do primeiro-ministro na 2ª feira (8.set.2025), quando François Bayrou (Movimento Democrático, centro) enfrentará um voto de confiança na Assembleia Nacional. A sessão impactará diretamente a governabilidade e a continuidade da agenda de reformas econômicas, uma vez que o resultado determinará se o governo consegue aprovar seu orçamento com plano de austeridade de 44 bilhões de euros.

Caso o voto seja rejeitado, Bayrou terá de apresentar sua renúncia ao presidente francês Emmanuel Macron (Renascimento, centro), que terá de nomear um novo premiê ou considerar outras opções constitucionais, como a dissolução da Assembleia Nacional. O chefe do Executivo enfrenta oposição crescente e críticas da mídia e da população francesa. Uma derrota pode forçá-lo a dissolver o Parlamento e convocar eleições legislativas –cenário que apontaria para avanço dos partidos opositores na Assembleia e novos entraves à governabilidade.

O voto foi solicitado por Bayrou para obter apoio à sua proposta de orçamento de austeridade de 44 bilhões de euros, apresentada em 15 de julho, que visa a redução do deficit fiscal de 5,8% para 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2026. Eis a íntegra (PDF – 520 kB, em francês).

O procedimento é respaldado pelos artigos 49 e 50 da Constituição francesa, que permitem ao primeiro-ministro submeter seu programa ou declaração de política geral à aprovação dos parlamentares. Para se manter no cargo, Bayrou precisará obter a maioria simples entre os parlamentares presentes, ou seja, mais de 50% dos votos válidos.

O PLANO DE BAYROU E A ECONOMIA FRANCESA

A proposta, denominada “Le Moment de Vérité”, busca reduzir o endividamento do país, equivalente a 114% do PIB no 1º trimestre de 2025 segundo o Eurostat –eis a íntegra (PDF – 1 MB–, e controlar o crescimento das despesas públicas. Bayrou propõe 2 planos de ação: “Stop à la dette” e “En avant la production”. Eis as medidas:

Segundo o mestre em finanças pela Universidade de Sorbonne Hulisses Dias, a economia francesa “atravessa um período de baixo dinamismo, com crescimento anêmico e um Estado que se tornou excessivamente pesado”. Ele afirma que “a atividade econômica continua sendo sustentada por gasto público elevado, ao passo que a produtividade do setor privado permanece estagnada”.

O deficit fiscal francês pressiona o governo a implementar medidas de austeridade e cortes de despesas. Ao mesmo tempo, a inflação afeta o poder de compra das famílias e aumenta a pressão sobre salários e benefícios sociais.

Portanto, para Dias, a medida representa “um passo na direção correta”, pois “o desafio central está em reduzir o peso do Estado, flexibilizar o mercado de trabalho e criar condições para que a iniciativa privada volte a liderar o crescimento”.

Ele ainda explica o cenário que se apresenta perante a economia francesa: “A tendência é que, sem reformas, a França continue a perder competitividade em relação a outros países europeus e a enfrentar maior pressão dos mercados financeiros”.

9º TESTE DO PREMIÊ

Bayrou, empossado em 13 de dezembro de 2024, já enfrentou 8 moções de censura relacionadas à condução de políticas fiscais e à aprovação de reformas econômicas contestadas pelo Parlamento. O premiê conseguiu se manter no cargo em todas elas.

Ele é o 7º primeiro-ministro nos mandatos de Macron (2017-2022 e 2022-atual) e solicitou o voto de confiança para reafirmar seu apoio na Assembleia Nacional.

Para o economista e advogado Caio Bartine, a alta rotatividade de premiês no país “reflete uma instabilidade política interna, agravada por divisões ideológicas e pela dificuldade de formar coalizões estáveis”.

Ele explica que “essa instabilidade compromete a implementação de políticas econômicas de longo prazo, já que mudanças frequentes na liderança podem alterar prioridades e estratégias governamentais, prejudicando a continuidade e a eficácia das reformas propostas”.

ENTRAVES DO GOVERNO MACRON

Desde que assumiu a presidência da França, Macron tem mudado com frequência o comando do Executivo, o que reflete tensões políticas internas e dificuldades na aprovação de reformas no Parlamento.

Os 3 primeiros-ministros iniciais de seu governo permaneceram no cargo por menos de 10 meses.

Édouard Philippe (Horizons, centro-direita) renunciou antes da disputa da reeleição de Macron, como estratégia do presidente para angariar votos. Jean Castex (Independente) deixou o cargo depois da reeleição, para permitir uma reforma de gabinete, e Élisabeth Borne (Renascimento, centro) renunciou como parte da estratégia de Macron para fortalecer seu governo antes das eleições europeias.

Talita Fermanian, advogada internacionalista, afirma que “a rotatividade reflete fragilidade parlamentar crônica e a necessidade de recompor maiorias diante de agendas impopulares”.

Ela esclarece que as trocas propostas por Macron, como nos casos de Philippe, Castex e Borne, são uma “estratégia presidencial de reequilíbrio” baseada em “trocar chefes de governo para recalibrar coalizões e narrativas políticas”.

A especialista destaca que, como consequência econômica, isso “dificulta a execução de políticas de longo prazo, aumenta a incerteza regulatória e atrasa reformas estruturais, inclusive as indispensáveis ao cumprimento das metas fiscais europeias”.

A estabilidade do Executivo depende, assim, do equilíbrio entre apoio parlamentar, condução de políticas públicas e articulação com a oposição.

OPOSIÇÃO UNIDA E ALIANÇAS FRÁGEIS

Para Fermanian, o risco que se coloca é a “paralisia decisória”, uma vez que “sem base estável, medidas de consolidação podem ser diluídas, postergadas ou rejeitadas”.

Ela analisa que, caso Bayrou caia, abre-se um espaço de negociação complexa para que se escolha um novo primeiro-ministro, que “pode atrasar o orçamento e pressionar a credibilidade junto a mercados e parceiros europeus”.

Acrescenta que podem surgir propostas alternativas “como elevação de tributos sobre altas fortunas em vez de cortes amplos”, que causariam “conflito distributivo relevante, com impacto no traçado final do ajuste”.

Partidos de esquerda e direita, incluindo o Reagrupamento Nacional de Marine le Pen, se uniram para votar contra o governo. Diversos líderes já haviam afirmado que não apoiariam Bayrou nesse voto de confiança.

O Reagrupamento Nacional, liderado por Jordan Bardella, havia expressado descontentamento com as orientações orçamentárias apresentadas pelo premiê, considerando-as prejudiciais para o país.

Junto com Marine Le Pen, presidente do grupo parlamentar do partido na Assembleia Nacional, pediu a dissolução “ultrarrápida” do parlamento para permitir a formação de uma nova maioria capaz de aprovar um orçamento alternativo durante conversa com jornalistas.

Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-internacional/franca-busca-estabilidade-em-meio-a-aperto-fiscal/

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