Mazal Tazazo, 35, sobreviveu ao ataque do Hamas em outubro de 2023. Ela conta em primeira pessoa o caminho para trilhou para manter-se viva
Em 7 de outubro de 2023, a israelense Mazal Tazazo, então com 33 anos, participava da rave Supernova, em Re’im, no sul de Israel, quando o Hamas invadiu o local. Ela estava com 2 amigos: Danielle Cohen e Yohai Ben-Zacharia. Só Mazal sobreviveu.
O relato que segue foi dado por ela ao jornalista Guilherme Waltenberg, do Poder360, diretamente do deserto de Negev, no mesmo local onde o massacre aconteceu.
Durante a conversa, o som de bombas interrompeu o depoimento ao menos 3 vezes. Re’im fica a apenas 5 km da Faixa de Gaza. Mazal diz sentir que precisa contar sua história –como forma de honrar os mortos e tentar evitar que matanças como essa se repitam.
A seguir, o vídeo (4min54s) e o relato completo, em 1ª pessoa, de uma das poucas sobreviventes do massacre:
“Meu nome é Mazal Tazazo. Tenho 35 anos e sou de Netivot, uma cidade a 15 minutos daqui. Tenho um filho de 11 anos –ele ainda tinha 10 na época. Ele é toda a minha força. Se não fosse por ele, eu não sei se estaria aqui, de pé, contando essa história.”
“Antes do massacre, eu trabalhava com meninos em situação de risco em um centro de acolhimento. Também sou estudante de design de interiores e arquitetura. Fui ao Festival Nova com 2 amigos, Danielle Cohen e Yohai Ben-Zacharia. Eu conhecia o Nova havia 3 anos –era um espaço de liberdade, amor, música e comunidade. Compramos os ingressos 3 meses antes. Éramos mais de 3.500 pessoas ali, celebrando a vida.”
“A noite anterior foi maravilhosa. Gente linda, de todos os tipos. Música boa, sorrisos, abraços. Armamos nossa barraca. A pista de dança estava cheia. A energia era mágica.”
“Às 6h20 da manhã, quando o sol começou a nascer –o ponto alto do festival– fui até a barraca buscar meus óculos de sol. Nesse meio-tempo, a música parou. Achei estranho, mas como sou da região, pensei: “Deve ser só um ataque de foguetes. Vai passar”. Tentei acalmar os que estavam assustados.”
“Mas então os seguranças começaram a correr. Gritavam para pegarmos nossas coisas e irmos embora. Corremos para o estacionamento e entramos no carro. Havia um engarrafamento enorme. Ficamos presos. Foi quando ouvimos os primeiros tiros, vindos da direção do Kibutz Re’im. Nesse momento, percebemos que não era só um ataque de foguetes. Era muito pior.”
“No início, pensei que fossem 2 terroristas. Havia policiais do lado de fora. Achei que eles tinham o controle. Mas não tinham. Meu amigo Yohan virou nosso “comandante da fuga”. Ele sugeriu que saíssemos da estrada e fôssemos por entre as árvores. Conseguimos desviar do tráfego, mas ficamos presos novamente, porque o terreno era irregular. Ouvíamos os tiros cada vez mais perto. Policiais e terroristas estavam em confronto direto. Parecia um filme. Mas era real. E era guerra.”
“Descemos do carro. Corremos. Nos jogamos no chão, nos escondendo entre veículos. Tiros vinham de todas as direções. Eu só rezava para estar do lado certo do carro. Vi pernas correndo, corpos caídos. Encontrei um policial escondido atrás de um carro. Corri até ele, segurei suas costas e comecei a chorar. Ele virou pra mim e disse: “Você está me empurrando”. Atrás de mim, já havia 5 pessoas tentando se proteger junto a ele.”
Mazal ficou inconsciente depois de ser golpeada por um integrante do Hamas. Ela conseguiu sobreviver fingindo que estava morta
“Yohan, meio deitado sob um carro, me gritou: “Coloca a cabeça no chão e rasteja!”. Comecei a rastejar. Muitos tentaram se esconder sob os carros. Ninguém sobreviveu. Estávamos todos deitados entre os veículos, ouvindo os gritos em árabe se aproximarem, o som das balas se intensificando.”
“Corremos para a lateral da estrada. Havia arbustos –não árvores de verdade, mas era o que tínhamos. Me enfiei no mato, quebrei galhos para tentar me cobrir. Era tudo muito aberto. Me senti totalmente exposta.”
“Encontramos um buraco no chão. Eu e Yohan nos deitamos, nos cobrimos com folhas e galhos. Eu me virei de bruços, cobri minha cabeça com os braços. Então ouvi uma voz em inglês: “Get up, you! Get up!”. Era um terrorista. Eu não conseguia acreditar. Ele estava falando comigo. Não tive tempo de pensar. Senti a coronha do fuzil bater na minha cabeça. Tudo ficou preto. Sangue foi para todos os lados.”
“Quando voltei a mim, alguém segurava minhas pernas, amarrava alguma coisa. Só pensei: preciso fingir que estou morta. Fiquei imóvel. Um segundo terrorista se aproximou, tocou meu rosto. Eu segurei a respiração. Eles falaram algo em árabe e foram embora.”
“Perdi a consciência novamente.”
“Quando acordei, chamei por Danielle. Ela não respondeu. Olhei para o lado: Yohan também estava morto. Me virei de volta para o chão. Não consegui entender o que via. Só sabia que agora eu estava sozinha. Sozinha com Deus. Comecei a implorar: “Por favor, Deus, manda alguém me tirar daqui”.”
“Fiquei ali por horas. Os tiros não paravam. Tive medo de mover qualquer músculo.”
“Depois de um tempo, senti alguém se aproximar. Pensei: “É um terrorista. Agora acabou”. Mas fiquei consciente, diferente da primeira vez. A pessoa deitou parcialmente sobre mim. Fiquei sem respirar por longos minutos. Quando ela finalmente se moveu, vi que era uma garota. Tinha 22 anos. Ela achou que eu estivesse morta.”
“Meu short branco estava coberto de sangue, minha cabeça aberta. Ela tentou achar meu celular. Estava debaixo de mim. Quando conseguiu, mandou mensagens no meu WhatsApp, pedindo ajuda e compartilhando a localização.”
“Tivemos certeza do ataque às 9h20. Voltei a ter contato com o mundo às 11h30. Ela escreveu: “Eles nos pegaram. Estão queimando os arbustos. Estamos presas. Precisamos de ajuda.””
“Os terroristas não só atiraram nas pessoas. Depois, incendiaram toda a vegetação para acabar com os corpos dos mortos e fazer levantar quem ainda estava vivo. Seria o momento de matar a tiros quem estava fingindo estar morto.”
“Logo depois, ouvimos o fogo se aproximando. O calor era insuportável. E então tive um pensamento: “Prefiro morrer baleada a morrer queimada”. Me levantei, vi um carro abandonado, corri, entrei no banco de trás e me encolhi como uma bola. Havia um cobertor. Me cobri. Foi um milagre.”
“Fiquei lá por mais duas horas. Os terroristas vinham, se afastavam, voltavam. Repetidas vezes. Minha mente enlouquecia. Eu falava com Deus. Pedia para não ser queimada viva.”
“Às 15h, um homem abriu a porta do carro. Estava ensanguentado. Tinha sido baleado. Ao lado dele, a mesma garota que me achou nos arbustos. Ela conseguiu escapar pulando de moita em moita. Foi ela quem disse aos sobreviventes que eu ainda estava ali. Eles arriscaram e vieram me buscar. Éramos 5.”
“Achamos um carro com chave, dirigimos até um ponto seguro. Havia ambulâncias. Fui levada ao hospital. Fizeram uma cirurgia na minha mão. Depois, outra. Meu cérebro não teve hemorragia.”
“Levei uma semana para descobrir o destino de Danielle e Yohai. Foi a pior semana da minha vida. Vi os rostos deles em postagens de “desaparecidos”. As famílias me procuravam. E eu sabia: eles estavam mortos. Mas como dizer isso?”
“Depois de 7 dias, veio a confirmação. Tinham sido mortos no 1º dia. Os corpos estavam queimados, irreconhecíveis.”
“Passei meses em choque. Vivendo dentro do trauma. Tentando entender o que aconteceu. Agora, 2 anos depois, ainda me pergunto se foi real. Mas sei que foi.”
“O mais difícil é ver o mundo apoiar, sem saber, pessoas que cometeram essas atrocidades. Achar que estão “do lado do bem”, quando, sem querer, acabam ajudando o mal.”
“Meu filho merece crescer seguro. O Hamas precisa ser retirado do poder. Precisamos curar as feridas. E os líderes precisam entender: Israel é um lugar de amor. Nós vivemos juntos por muito tempo. E eu quero garantir que nunca mais isso aconteça. Nunca mais.”
O editor sênior Guilherme Waltenberg viajou a convite da embaixada de Israel no Brasil.