EUA acusam Brasil de excesso de protecionismo desde março

Mesmo que balança comercial seja favorável aos norte-americanos, Washington vê tarifas de importação elevadas acima do que considera aceitável no Brasil

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Partido Republicano), fez uma afirmação controversa e imprecisa em sua carta de 4ª feira (9.jul.2025) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT):

“Essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que causaram esses deficits comerciais [sic] insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse deficit [sic] é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!”

Ocorre que o Brasil é o deficitário no comércio bilateral com os Estados Unidos há mais de uma década. Isso significa que os norte-americanos mais vendem do que compram dos brasileiros.

A carta de Trump pode ter sido redigida sem o devido cuidado ao falar sobre o tema. Só que há outro fato a ser considerado: uma crítica histórica dos EUA sobre o grau considerado elevado de protecionismo do Brasil sobre produtos estadunidenses.

O presidente norte-americano cita o USTR (“United States Trade Representative”, ou Representante de Comércio dos Estados Unidos) e diz que em breve terá um estudo detalhado sobre o caso brasileiro.

Em março de 2025, o USTR publicou seu relatório anual afirmando que considera elevadas as barreiras comerciais (tarifárias ou não) em vários países. O Brasil é um dos mais citados no estudo. Eis a íntegra do texto (em inglês, PDF – 3 MB).

Está atrás de China (48 páginas no relatório), União Europeia (34 páginas), Índia (16 páginas), Japão (11 páginas) e México (7 páginas). O Brasil empata com o Canadá, com 6 páginas cada um.

O USTR afirma que o Brasil cobra em média 11,2% em 2023. Desse valor, a divisão é a seguinte:

8,1% para produtos agrícolas;
11,7% para produtos não agrícolas.

O Poder360 fez uma pesquisa de 9 produtos e lista a seguir a tarifa cobrada sobre as importações desses itens quando entram nos EUA ou no Brasil:

Percebe-se que, para a maioria das categorias, a cobrança brasileira é maior. Muitas das taxas dos Estados Unidos são zeradas, como smartphones e perfumes em geral.

O Poder360 levantou os dados dos Estados Unidos na plataforma da Organização Mundial do Comércio. Foram considerados os códigos da Tabela Tarifária Harmonizada (Harmonized Tariff Schedule, em inglês). Os produtos têm variações específicas, que podem afetar a taxa cobrada em determinados casos.

Os dados do Brasil foram enviados à reportagem pelo Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Considera a Tarifa Externa Comum do Mercosul, um sistema de taxas de importação padronizadas para todos os países membros do bloco econômico.

No caso de ambos os países, especificidades dos produtos podem mudar a taxa, como peso de cada um ou a presença de alguma substância em específico.

O levantamento apresentado nesta reportagem, entretanto, apresenta um panorama geral que ilustra a realidade da maioria dos itens no comércio exterior com os EUA.

ALÉM DAS TARIFAS

O relatório do USTR sinaliza que o protecionismo do Brasil ante os Estados Unidos não se limita à cobrança de taxas maiores. Um dos pontos é o licenciamento não automático de importações.

O texto diz que as exigências de autorização de ministérios e agências para algumas importações muitas vezes vêm com falta de transparência ou justificativas para a recusa. Os setores mais impactados seriam calçados, vestuário e automóveis.

“A falta de transparência em torno desses procedimentos é um obstáculo às exportações dos Estados Unidos”, afirma o estudo.

Outros pontos são levantados. Leia um resumo dos argumentos dos EUA:

discriminação fiscal via IPI – produtos nacionais como a cachaça pagam IPI menor do que bebidas alcoólicas importadas, o que configuraria tratamento desigual;
restrições à importação de produtos usados e remanufaturados – proibição ampla para bens como roupas, carros e equipamentos médicos, mesmo quando não há produção nacional;
exclusão de produtores estrangeiros no RenovaBio – só empresas brasileiras podem gerar créditos de carbono, limitando a competitividade de biocombustíveis dos EUA;
cotas e tributos sobre conteúdo audiovisual estrangeiro – leis exigem que parte da programação na TV por assinatura seja nacional e aplicam impostos mais altos a filmes e publicidade estrangeiros.

AVALIAÇÃO DA POLÍTICA TARIFÁRIA

Ex-ministro da Fazenda do Brasil de 1988 a 1990, durante o governo de José Sarney, o economista Maílson da Nóbrega avalia que o protecionismo “não é uma estratégia de política econômica equivocada”, mas que deve haver um limite de tempo para o uso.

“Na regra do comércio internacional, na OMC, admite-se o protecionismo em certas circunstâncias. Só que tem que ter um tempo limitado de vigência e não pode ser eterno, como tem sido no Brasil, por exemplo. A indústria automobilística brasileira ainda é protegida depois de mais de 70 anos de operação no Brasil”, declara ao Poder360.

O especialista afirma que Trump “tem razão” no que diz respeito ao longo período de proteção a alguns setores no Brasil. Mailson, no entanto, classifica como “uma maluquice” a política tarifária do presidente dos EUA.

“O que está acontecendo com a política de tarifa do Trump é algo inédito na história da economia mundial. Ou seja, o uso da tarifa como arma para impor condições, chantagear, exigir rendição e assim por diante. E uma maluquice maior ainda é a tarifa recíproca”, afirma.

Para Mailson, a decisão de taxar em 50% os produtos brasileiros que entram nos EUA é uma “aberração completa” e tem caráter eminentemente político. “Isso é indiscutível. Aliás, esse ponto torna muito difícil a negociação do Brasil com o governo americano. Porque você não tem o que negociar. O Brasil não pode negociar a sua soberania. Não pode negociar a independência dos poderes nem a democracia nacional, enquanto os outros países vão negociar comércio”, declara.

GANHO POLÍTICO PARA LULA

O ex-ministro diz que a atitude de Trump beneficia Lula politicamente, com ganhos na popularidade. “Na verdade, Trump deu um presente para o Lula. Até porque ele já está comprovado, desde a posse de Trump no 2º mandato e do Dia da Libertação, em que ele anunciou as tarifas recíprocas, candidatos que se opuseram às ações de Trump, ganharam as eleições. Na Austrália, no Canadá”, afirma.

Mailson da Nóbrega diz que Lula precisa ter “calma” e “serenidade” para lidar com o imbróglio envolvendo o chefe de Estado norte-americano. “O presidente Lula deveria se afastar de bater boca com Trump pelos microfones. É só lembrar que ele chamou Trump de ‘irresponsável’ em uma entrevista lá na reunião do Brics”, declara.

Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-internacional/eua-acusam-brasil-de-excesso-de-protecionismo-desde-marco/

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