Dólar enfraquece frente às principais moedas em 2025

Real teve alta de 9,4% em relação à moeda dos EUA; investidores optam por outros ativos de segurança em momento de turbulência

O dólar enfraqueceu em relação às principais moedas do mundo no 1º quadrimestre de 2025 com o crescimento das incertezas globais. O iene (Japão), o euro (Zona do Euro), o real (Brasil), a libra esterlina (Reino Unido), o peso mexicano (México) e outras divisas ganharam valor ante a moeda dos Estados Unidos no período.

Há uma “quebra de confiança” em relação ao dólar, segundo analistas, o que retoma as discussões sobre a hegemonia global do dólar. O rublo russo registrou o melhor desempenho de janeiro a abril entre moedas selecionadas pelo Poder360. Subiu 32,2%. O levantamento considerou as moedas utilizadas pelos países do G20 (grupo das 20 maiores economias globais).

O real teve alta de 9,4% em relação ao dólar. Leia no infográfico abaixo o desempenho das moedas:

O ambiente internacional é considerado incerto pelos analistas e pelos bancos centrais, principalmente com a guerra comercial iniciada nos últimos meses. O movimento de enfraquecimento do dólar diante desse contexto pode provocar estranheza. A moeda dos EUA é vista pelos agentes financeiros como símbolo de segurança, uma espécie de porto seguro dos investidores em momentos de turbulência.

Com o tarifaço, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Partido Republicano), iniciou um processo de descredibilização do dólar, segundo analistas. A moeda ainda é referência global, mas há debates que questionam a sua hegemonia global no longo prazo.

HISTÓRICO

O dólar se tornou predominante no mundo antes de meados do Século 20, com o Acordo de Bretton Woods (1944) e o Plano Marshall (1947-1951) de reconstrução dos países depois da 2ª Guerra Mundial. Passou a ser referência no comércio, além de ser designada como a moeda de reserva global. O acordo fixou o dólar ao ouro e estabeleceu taxas de câmbio de outras moedas em relação ao dólar.

Ao ser definido para reconstrução da Europa no pós-guerra, o dólar ficou ainda mais presente no mercado global. Os EUA se comprometeram a ser o país responsável pela segurança internacional, o que também contribuiu para a soberania política do país.

O cenário permitiu condições de tarifas não recíprocas entre os EUA e outros países, inclusive parceiros comerciais históricos. Essa discussão sobre as diferentes taxas foi intensificada por Trump nos últimos meses.

Na década de 1980, mais precisamente em 1985, os Estados Unidos, a França, a Alemanha, o Reino Unido e o Japão fizeram um acordo para desvalorizar o dólar. A intenção era diminuir o deficit comercial dos EUA com o Japão e a Alemanha.

Assinado no Plaza Hotel em Nova York, o Acordo de Plaza desvalorizou a taxa de câmbio do dólar norte-americano em relação ao iene japonês e ao extinto marco alemão.

Parte dos analistas e dos profissionais da imprensa global comparam o Acordo de Plaza com a depreciação do dólar provocada por Trump. Denominaram o processo de tarifaço de “Acordo de Mar-a-Lago”, em referência ao resort da Flórida onde o presidente dos EUA mora.

Em entrevista ao Poder360, André Valério, economista sênior do Banco Inter, declarou que há uma diferença clara entre o contexto de 1985 e o atual. Diferentemente do tarifaço implementado por Trump, o Acordo de Plaza teve um consenso e uma atuação coordenada dos países.
“Agora a gente tem uma situação bem diferente, onde os Estados Unidos adotam uma posição hostil frente ao resto do mundo e não buscam cooperação”, declarou o economista.

O discurso de Trump dá a ideia de estar sendo “passado para trás”, segundo Valério, mas os EUA se beneficiaram por décadas com os acordos assinados pelos EUA e por outros países desde a década de 1940.

“Foi um sistema criado pelos Estados Unidos para beneficiar a economia americana e eles, de fato, foram os mais beneficiados. É muito mais retórica política do que algum outro fato”, disse o economista.

Para analistas, o dólar se desvaloriza agora porque os EUA são o epicentro da guerra comercial. O aumento de tarifas alterou as bases geopolíticas e aumentou as incertezas, “colocando em xeque a predominância do dólar”, segundo Valério.

Filippe Santa Fé, head de multimercados do ASA, disse que, agora, “o problema partiu dos EUA”. Afirmou que a política econômica de Trump é difícil de compreender. “Quando veio a incerteza, os investidores resolveram zerar o que estava causando dor de cabeça, e desta vez, os EUA não eram a solução, mas o problema”, disse.

HÁ MOEDA SUBSTITUTA?

Otávio Oliveira, gerente de tesouraria do Banco Daycoval, avalia que o cenário atual pode ser o início de uma mudança de paradigma. Para ele, mesmo que tímido, há um “começo de conversa” neste sentido.

O movimento dos agentes financeiros se resume à maior atratividade de outros ativos de investimentos em detrimento do dólar e de títulos soberanos dos EUA, conhecidos como treasuries.

“Houve entrada em moedas na Europa, seja euro ou franco, na Ásia e em treasuries, mas não nos títulos americanos”, declarou o economista. “Houve entrada em dívida soberana de outros países, que não seriam a 1ª alternativa do investidor caso essa premissa não fosse verdadeira. É o 1º passo nessa nova direção da economia global”, completou.

Oliveira afirmou que os agentes começam a imaginar como seria a realidade de uma economia global que não tenha o dólar como moeda de referência, ou tenha um protagonismo dividido.

“Dado que estamos vivendo uma guerra global de tarifas e comércio entre as principais economias do mundo, abre-se uma possibilidade. É muito cedo para dizer se isso vai ou não se concretizar […], mas parece ser, a princípio, conversável. Tudo vai depender de como os Estados Unidos vão se comportar daqui para frente. A bola está muito mais com eles do que com o resto do mundo”, declarou Oliveira.

Valério, economista do Banco Inter, afirmou que as tarifas impactam aliados históricos, o que fez com que investidores se posicionassem em outros ativos mais seguros, como o ouro, que superou US$ 3.500 pela 1ª vez na história em abril.

O economista espera que, em algum momento, haja uma reversão parcial do enfraquecimento do dólar, mas “o estrago já foi feito”. E completou: “Já se quebrou um pouco dessa confiança com os Estados Unidos e é algo difícil de se retomar. Não sei também se, mesmo que entre outro presidente, até um democrata, a gente terá uma reversão total”.

Valério disse que, mesmo com o governo Joe Biden (Partido Democrata) dos EUA, de 2021 a 2025, algumas medidas comerciais adotadas por Trump de 2017 a 2021 foram mantidas e até expandidas.

“O gênio saiu da lâmpada. Não tem muito jeito de colocar ele de volta. Eu acho que não vai ser nem extremo ou outro. Acho que não voltamos para aquela normalidade, mas também acho que não há mudança cataclísmica de nova ordem mundial. Estaremos no meio do caminho, com o mundo um pouco mais volátil, com o dólar mantendo a sua predominância”, afirmou.

Para o economista do Banco Inter, as medidas de Trump indicam um comportamento “isolacionista” dos EUA. Apesar disso, o dólar ainda é predominante e, atualmente, não há concorrentes para derrubar a hegemonia do dólar.

“É cedo para falar que há uma mudança de paradigma no sentido de que o dólar vai deixar de ser a moeda reserva, porque a gente não vê uma alternativa viável para isso”, disse Valério.

Para ele, o euro, da Zona do Euro, e o yuan, da China, não seriam a opção automática. A Europa tem problemas estruturais de crescimento que “impedem [o euro] de ser adotado como moeda de reserva nos bancos centrais ao redor do mundo”. “O yuan na China definitivamente não é, porque é uma moeda manipulada e tem restrições de fluxo”, disse.

Ativos seguros

A falta de alternativas claras fez com que investidores optassem por outros ativos seguros neste cenário turbulento, como o ouro e títulos soberanos de outros países que não os Estados Unidos.
De acordo com economistas, se a guerra comercial continuar ou se intensificar, não é descartado o crescimento de outra moeda como um ativo necessário para brecar essas incertezas.

Santa Fé avalia de outra forma. Para o especialista do ASA, há um momento de mercado que não está ligado a uma demanda estrutural de mudança da hegemonia do dólar. “Pelo tamanho da economia americana na economia global e da importância do sistema financeiro americano no sistema financeiro global, eu não acredito que, pelo menos em uma janela visível, o dólar perca seu status de principal moeda de reserva”, disse o especialista do ASA.

Seria necessário o desenvolvimento de outro mercado para servir de destino para o capital que deixaria de ser referenciado no dólar, segundo ele. “Parece que estamos bem longe disso ainda, mas é um assunto que sempre aparece quando o dólar se enfraquece. Parece precipitada a discussão”, afirmou.

SOLUÇÃO: TECNOLOGIA

O ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto defendeu, em participação no programa Pânico, que o futuro é digital e que o risco das moedas deixará de ser algo relevante no futuro.
“Eu acho que, no final das contas, nós vamos para o digital. Não vamos nem para o dólar nem para o yuan. Tem alguns artigos sendo publicados. Temos soluções que conseguem ligar sistemas de pagamentos instantâneos em tempo real”, disse Campos Neto em 8 de abril deste ano.

Por serem operações instantâneas, o risco da moeda torna-se um fator insignificante. O economista André Valério imagina um ambiente de transações digitais momentâneas entre as nações, mas será uma implementação para daqui a 15 ou 20 anos. O Brasil avançou nos últimos anos com a implementação do Pix. A modalidade de pagamento tem sido aceita em outros países, o que permite vislumbrar um cenário mais digital no futuro.

O BC (Banco Central) também está elaborando as estruturas do Drex, a moeda digital do país, o que ajuda para essa evolução de sistema financeiro global integrado. Para Valério, esse cenário ainda vai demorar.

E O BRASIL NESSA?

Há 1 ano, em 30 de abril de 2024, o dólar comercial fechava o dia a R$ 5,193. A moeda norte-americana não encerra abaixo de R$ 5,50 há quase 7 meses. Em 2025, a cotação recuou até abril. Começou o ano a R$ 6,18 e agora está a R$ 5,67.

Mesmo com a valorização recente do real em relação ao dólar, o câmbio do Brasil se mantém em níveis elevados por fatores internos.

Há 1 ano, o Banco Central adotou um comportamento de maior preocupação com a trajetória da inflação. Paralelamente, o Ministério da Fazenda flexibilizou as metas fiscais e focou o ajuste fiscal no aumento de receita.

André Valério, economista sênior do Banco Inter, disse que a volatilidade do câmbio no Brasil está muito associada à política fiscal.

“Por mais que o [cenário] fiscal tenha parado de piorar, ainda é uma situação muito delicada. Recentemente a gente teve a divulgação do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) que basicamente deixou claro que o arcabouço fiscal não existe mais, porque, em 2027, o governo já não tem mais recursos para atender o arcabouço e os gastos mínimos previstos na Constituição”, declarou.

Otávio Oliveira, gerente de tesouraria do Banco Daycoval, declarou que a política fiscal pode impactar a cotação do dólar. Os agentes financeiros vão reagir às medidas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que vão definir as perspectivas para 2026, que é um ano eleitoral.

“Se nada mudar até lá, o real brasileiro tende a cair […] dado que é uma moeda mais propensa a risco e volatilidade, porque é uma moeda emergente”, disse o economista. Em abril, o real subiu 1,4% em relação ao dólar. Os melhores desempenhos foram do iene, no Japão, e do euro, da Zona do Euro, ambos com altas de 5,1%.

Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-economia/dolar-se-enfraquece-frente-as-principais-moedas-em-2025/

Deixe um comentário