Buscas por inseminação caseira cresce sem respaldo legal no Brasil

Pesquisas pelo termo no Google atingiu recorde no fim de 2024; especialistas afirmam que a ausência de políticas públicas resulta em desamparo jurídico, riscos de ISTs e misoginia

A IC (inseminação caseira) é um método no qual o sêmen é inserido no canal vaginal por meio de uma seringa. O objetivo é engravidar. Por não ser realizada com material de bancos de esperma, não há fiscalização sobre a qualidade do fluido nem controle por parte da vigilância sanitária. O Ministério da Saúde não tem dados oficiais sobre a prática, que, segundo especialistas, resulta em problemas jurídicos e de saúde pública no Brasil.

O ato tem aumentado em número de participantes e doadores. Muitos deles se conectam por meio de grupos em redes sociais. Dados do Google Trends analisados de 2004 a março de 2025, mostram que o interesse no Brasil pelo termo “inseminação caseira” começou em agosto de 2012 e teve um pico histórico em novembro de 2024.

O pico das buscas foi impulsionado por uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) do dia 15 de outubro de 2024, que reconheceu, de forma inédita, o direito à dupla maternidade, caso haja união estável, em gravidez via IC gerada por sêmen de doador. A decisão foi tomada pela 3ª Turma e a relatora foi a ministra Nancy Andrighi.

Já em dezembro do mesmo ano, a Defensoria Pública de São Paulo decidiu pelo reconhecimento da paternidade de um homem trans cuja mulher engravidou via IC. O tema cresceu também no TikTok, rede na qual criadores de conteúdo compartilham suas experiências com a inseminação caseira e o passo a passo de como fazê-la.

No último ano, não foram registradas buscas pelo tema em 7 Estados: Acre, Alagoas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Por outro lado, Espírito Santo liderou as buscas com nível máximo de interesse. Seguido de Bahia, Distrito Federal, Pernambuco e Piauí, com 78 cada.

Ao fazer uma pesquisa rápida no Facebook a partir do mesmo termo, é possível encontrar cerca de 60 grupos públicos, com até 50.000 participantes. Apesar disso, não há amparo legal, regulamentação ou mesmo iniciativas específicas para lidar com a IC.

O Diretor da Clínica Paulista de Medicina Reprodutiva, Renato Fraietta, afirma que quando as inseminações artificiais ou in vitro são feitas em clínicas legalizadas, as pacientes passam por exames físicos e subsidiários. Segundo ele, não existem essas avaliações médicas na inseminação caseira, o que pode causar prejuízos à gestante e ao bebê.

“No consultório avaliamos saúde, fazemos exame físico e exames subsidiários. Também é regra da vigilância sanitária que todo casal faça exame sorológico”, declarou.

Ao Poder360, o Ministério da Saúde afirmou que a inseminação caseira “não é regulamentada nem recomendada” pela pasta, e que “não existem procedimentos no SUS voltados para essa prática”. A resposta confirma a falta de suporte formal e de diretrizes de saúde pública sobre o tema.

Ao contrário das técnicas de reprodução assistida realizadas em clínicas, que seguem normas do CFM (Conselho Federal de Medicina), a inseminação caseira não tem regulamentação. Para a advogada Bruna Andrade, esse vácuo legal dificulta o reconhecimento da dupla maternidade e o processo de filiação, além de permitir que o doador possa, futuramente, reivindicar a paternidade da criança.

A alternativa à inseminação artificial ou à inseminação in vitro tem como público principal os casais LGBT, com ênfase nas mulheres lésbicas, diz a psicóloga e doutoranda pela UFRJ, Bruna Rodrigues. Para ela, quem busca maternidade, mas esbarra nos custos elevados das clínicas de fertilização, que flutua entre R$ 5.000 a R$ 30.000, também recorrem, muitas vezes, a inseminação caseira.

Invisibilização jurídica

Segundo a advogada, diferente de clínicas de reprodução assistida, onde os pacientes assinam um termo médico para facilitar o registro das duas mães, ao realizar uma IC o casal geralmente precisa recorrer à Justiça para conquistar legalmente a dupla maternidade.

Para ela, o maior risco jurídico da inseminação caseira é a impossibilidade do doador renunciar a paternidade. Bruna Andrade afirma que a falta de um processo formal e de documentação médica específica para a IC pode gerar disputas legais em relação à filiação.

O Código Civil brasileiro não permite a renúncia da filiação visando a proteção integral da criança, conforme a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. “Mesmo que o doador queira deixar claro que ele nunca vai ser o pai e faça um documento escrito, isso não tem validade legal”, diz Bruna Andrade.

Renato Fraietta explica que a doação legal de esperma no Brasil é via banco de sêmen. De forma anônima ou sendo parente de até 4º grau sem consanguinidade com o recebedor. Para o médico, as clínicas de inseminação são garantidoras do direito da dupla maternidade.

“Fazer isso [inseminação] numa clínica tem seguranças legais. No prontuário está claro que o homem é doador, de acordo com o que está escrito na resolução do (CFM) Conselho Federal de Medicina”, afirma.

“Existe uma claríssima falta de política pública sobre a questão”, declara a advogada. Bruna Andrade acrescenta que insegurança jurídica acompanha a gestante desde antes do nascimento até a maioridade da criança, “não ter o reconhecimento jurídico invisibiliza a maternidade”. Segundo ela, outra consequência é a dependência de grupos de doadores nas redes sociais. 

Os grupos e os praticantes

“Busco inseminação com no mínimo 3 homens para garantir que o melhor sêmen ganhe na disputada fecundação” e “branco, cabelo castanho e olhos azuis. Disponível para doação de sêmen por método seringa ou tradicional” são posts que estão por toda parte nas comunidades do Facebook que promovem a doação de esperma e a inseminação caseira.

Apesar do grupo ser exclusivo ao tema, especialistas afirmam que a falta de atuação dos órgãos que seriam responsáveis por tratar a questão faz com que pessoas que buscam doações enfrentem casos de misoginia, assédio e LGBTfobia por parte de alguns integrantes. 

Rede de apoio

Em contraponto, a psicóloga Bruna Rodrigues diz que os grupos têm sua carga benéfica para quem busca a prática. Eles promovem uma escolha mais consciente a partir da rede de apoio construída: “Quando essa mulher procura um doador, outras mulheres e outros doadores indicam. Isso acontece muito nas redes sociais e ajuda a garantir uma melhor escolha”.

Ela afirma que outro ponto que faz mulheres optarem pela IC é a autonomia com o próprio corpo, elas não precisam passar por injeções e nem por hiperestimulação hormonal, por exemplo. “Com essa autonomia o próprio projeto parental ali delas pode acontecer, porque quem faz a inseminação pode ser o próprio parceiro ou parceira”, afirma.

Para ela, a principal fator que leva uma pessoa a praticar a inseminação caseira é o financeiro e, nesses casos, a forma de se alcançar o objetivo é via IC.  “Se não fosse inseminação caseira, muitas dessas mulheres não poderiam realizar o desejo de serem mãe de forma biológica porque não têm condições financeiras para isso”, acrescenta a psicóloga.

Segundo os especialistas, o país carece de políticas públicas e amparo jurídico para lidar com o tema. Não há dados referentes a questão e nem mapeamento de casos, impedindo a confecção de estratégias eficazes para a inseminação caseira ser feita de forma segura e com acompanhamento médico especializado.

Esta reportagem foi produzida pelo trainee de jornalismo do Poder360 Gabriel Lopes sob a supervisão da secretária de Redação adjunta, Sabrina Freire.

Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-saude/inseminacoes-caseiras-nao-sao-catalogadas-pelo-ministerio-da-inseminacao-caseira-nao-e-catalogada-pelo-ministerio-da-saude/

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