Pedido à Comissão de Anistia inclui indenizações e homenagens às vítimas da repressão em São Paulo
Como forma de buscar reparação por violações de direitos humanos na ditadura militar, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) entraram, na 2ª feira (7.jul.2025), com pedido de anistia coletiva para pessoas do grupo perseguidas pelo regime, que durou de 1964 a 1985.
O pedido foi apresentado à Comissão de Anistia, órgão do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Com ele, as entidades buscam anistiar, especialmente, as pessoas presas nas operações Tarântula e Rondão, na década de 1980, em São Paulo, além de artistas que tiveram a vida financeira afetada pela censura, entre outras ações. O foco está em mulheres lésbicas, travestis e mulheres transexuais, as mais afetadas.
“Esta ação é pioneira em países onde houve ditadura e pode representar a quebra de um grande paradigma considerando o processo de criminalização de nossas identidades”, afirmou Bruna Benevides, presidente da Antra, que destacou as perseguições policiais sofridas pelas travestis.
Ela é autora da ação destinada à Comissão de Anistia, elaborada em conjunto com alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB).
A denúncia é amparada por documentação, análises históricas e jurídicas, além de depoimentos dos sobreviventes e vítimas. Ela descreve a operação Tarântula, em São Paulo, como uma “caça”, em sentido literal.
O documento também resgata a história do Brasil para mostrar as origens da marginalização e criminalização da população LGBTI em diversos momentos históricos. Na ditadura militar, diz o texto, a perseguição pelo Estado foi sofisticada com “novos métodos, lógicas e sistemas de opressão, de forma articulada com a ideologia de sustentação política do regime”.
Como forma de reparação, as entidades reivindicam 21 ações. Entre elas, o reconhecimento das responsabilidades do Estado, um pedido de desculpas, anistia coletiva, criação de espaço memorial em homenagem às vítimas, além de indenizações financeiras e a revisão de legislações que embasaram os atos. Outro pedido é a renomeação da 1ª Delegacia Seccional de Polícia Centro, retirando a denominação de “Dr. José Wilson Ricchetti”, um dos policiais acusados de atos homofóbicos.
Perseguição
Em São Paulo, José Wilson Richetti, chefe da Seccional da Polícia da Zona Centro de São Paulo, iniciou a política de “Limpeza” ou “Rondão”, como ficou conhecida. A ação consistia em batidas em lugares frequentados por pessoas LGBTI, que eram levadas arbitrariamente para averiguação nas delegacias, sob o fundamento de contravenção penal de vadiagem e prisão cautelar. Segundo declaração do próprio Richetti à imprensa, 300 a 500 pessoas eram levadas diariamente para delegacias.
Na ditadura militar, a perseguição se refletiu também em censura aos produtos culturais que faziam menção a temas LGBTI. Na ação, como exemplo, os autores citam o livro Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, proibido e apreendido por ter contos com personagens LGBTI, além da perseguição à autora Cassandra Rios, que teve 36 livros proibidos pelo regime.
Em entrevista à Revista Lampião, citada pela Antra, Cassandra comentou o tema: “Eu tinha um padrão de vida correspondente àquilo que recebia desses 36 livros. Já imaginaram o choque? Eu não senti na hora, só vim a sentir 3 anos depois”.
A denúncia da Antra e da ABLGT cita também os shows de travestis, “especialmente censuradas”, com proibição de se apresentarem sem autorização dos órgãos responsáveis por fazer a censura prévia.
Discriminação na imprensa
O papel da imprensa também é destacado, por associar as operações policiais contra os LGBTI à “limpeza”, sugerindo a ligação das vítimas com práticas ilícitas e à aids.
“Essas matérias, ao documentarem ações repressivas e moldarem a opinião pública contra as travestis, contribuíram para um ambiente de hostilidade e violência cujos efeitos persistem até hoje”, afirmam os autores.
Na avaliação das entidades que escreveram a denúncia à comissão, o ambiente hostil na época condenou à morte também o diretor de teatro Luís Antônio Martinez, irmão mais novo do dramaturgo, diretor e ator Zé Celso, do Teatro Oficina. O artista foi assassinado brutalmente com 107 facadas em seu apartamento, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Pela brutalidade do crime ─Luís Antônio foi encontrado com pés e mãos amarrados ─a análise do movimento é de que se tratou de homofobia.
Para Bruna Benevides, a ação tem relação direta com o tema da valorização do envelhecimento LGBTQIA+, que teve destaque no Mês do Orgulho LGBTI deste ano e na Parada LGBT+ de São Paulo, a maior do Brasil.
“A anistia pode ser um instrumento de justiça para as travestis presas injustamente, e a possibilidade de reparação para elas ─e para nossa comunidade, que até hoje convive com os fantasmas destes tempos sombrios e a mácula que isso deixou contra nós no imaginário social. Tem tudo a ver com memória, envelhecimento e o reconhecimento das violações e prisões arbitrárias contra pessoas trans, em especial travestis e mulheres trans.”
Com informações da Agência Brasil.