Evento expôs tríade nuclear e contou com líderes internacionais, reforçando a ambição de Pequim como potência global
A China promoveu, em 3 de setembro de 2025, um desfile militar em comemoração à vitória sobre o Japão na 2ª Guerra Mundial. O país asiático aproveitou o momento para expor, de forma inédita, parte de seu arsenal militar, cuja frota contém drones furtivos, mísseis com alcance intercontinental, armas a laser e navios de combate.
O evento teve repercussão extra por exibir armamentos de última geração, incluindo componentes da tríade nuclear chinesa –JuLang-3,JingLei-1, DongFeng-61 e DongFang-31–, e por contar com a presença de líderes estrangeiros como Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte, que reforçaram apoio à China.
Veja as armas expostas pela China durante o desfile:
Armas chinesas apresentadas no desfile militar
O contexto expõe a mensagem de que Pequim acumula força em um cenário de embates indiretos com o Ocidente, principalmente os EUA, no contexto de guerra comercial e tecnológica.
Segundo o mestre e doutorando em Relações Internacionais Jhonathan Mattos, “a disputa militar e econômica andam em conjunto, sendo a exibição deste poder militar uma forma de garantir sua posição econômica fortalecida, hoje, questionado pelos EUA, visto a política de guerra comercial como forma de garantir a hegemonia norte-americana, freando o desenvolvimento chinês”.
Para os norte-americanos a celebração chinesa não é só uma recordação histórica, mas um recado político e militar. Ao exibir sua capacidade bélica, Pequim movimenta-se para se consolidar como potência militar global e está disposta a confrontar narrativas ocidentais sobre seu papel no sistema internacional.
Já o professor de relações Internacionais da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Mauricio Santoro, explica a postura chinesa como uma reivindicação de sua contribuição para a vitória no conflito. Segundo ele, a medida faz parte “de uma demanda mais ampla de reconhecimento de sua liderança global na atualidade”.
Assista ao momento em que Xi tira foto com Putin e outros líderes durante a celebração (47s):
A FORÇA MILITAR CHINESA FRENTE AOS EUA
A China tem cerca de 2 milhões de militares ativos. Em comparação, os EUA mantêm cerca de 1,3 milhão. Por outro lado, os norte-americanos investem aproximadamente 3 vezes mais em sua defesa em comparação com os chineses. Os dados são da SIPRI Yearbook 2025. Eis a íntegra (PDF – 2 MB, em inglês).
Essa diferença reflete uma estratégia de Estado norte-americana: priorizar investimentos em tecnologia, armamentos avançados e capacidade de projeção global, em vez de manter um grande número de militares ativos. Enquanto a China concentra esforços em expandir e modernizar rapidamente seu efetivo, os EUA apostam na superioridade tecnológica para manter vantagem estratégica.
O professor e vice-diretor do Instituto de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília), Roberto Menezes, explica que os EUA avançam em gastos militares por conta da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que exige manutenção de tropas, equipamentos e investimentos tecnológicos para garantir a segurança coletiva de seus aliados.
Ele reforça que os norte-americanos ainda representam 37% dos gastos globais com defesa, o que os coloca na 1ª posição mundial nesse aspecto: “Ela [China] aparece na 2ª posição, após os EUA, mas não dispõe dos mesmos recursos militares. Mesmo somando os gastos dos 10 países seguintes, não se aproximam do orçamento militar dos EUA”.
Menezes também traz o fato de que ambas as potências possuem arsenal nuclear.
Santoro reforça a distância entre os países, mas acrescenta que “a China se desenvolve rápido e está reduzindo a lacuna” e diz ser necessário considerar que “os interesses americanos estão dispersos pelo mundo, enquanto as prioridades chinesas são seu exterior próximo, em especial o Mar do Sul da China”.
O DESFILE MILITAR DA CHINA E A GEOPOLÍTICA
O ELP (Exército da Libertação Popular) realiza desfiles militares para marcar a vitória sobre o Japão na 2ª Guerra Mundial, um episódio que ocupa posição central na narrativa nacional. A 2ª Guerra Sino-Japonesa (1937-1945) é apresentada em Pequim como um momento de união e sacrifício que consolidou a legitimidade do PCCh (Partido Comunista Chinês).
Assista ao desfile chinês pelos 80 anos do fim da 2ª Guerra Mundial (1h2min51s):
Relembrar o evento permite ao governo reforçar sua posição de guardião da soberania nacional e alimentar o sentimento patriótico da população. Mattos explica que o país se baseia no conceito confuciano de poder militar suficiente.
Segundo ele, essa filosofia é “um dos 3 elementos de legitimidade de um governante: abundância de alimentos, confiança do povo e poder militar suficiente, ou seja, a capacidade de contenção a ameaças externas”.
Do ponto de vista norte-americano, esses desfiles acentuam preocupações estratégicas. Os EUA observam o crescimento das capacidades militares chinesas –com ênfase na região do Indo-Pacífico, vital para o comércio mundial e onde os EUA têm compromissos de defesa com aliados como Japão, Coreia do Sul e Filipinas.
O especialista ainda diz que os desfiles “têm como um dos seus objetivos demonstrar a força e organização das tropas chinesas em um contexto de declarações fortes pela embaixada da China, em Washington”.