Projeto propõe transição em 5 anos das regras que permitem o transporte de animais vivos; nota técnica será apresentada em audiência pública na 3ª feira (19.ago.2025)
O Brasil movimenta cerca de R$ 2 bilhões por ano com a exportação de bois vivos, mercado que pode ter ganho de R$ 1,9 bilhão adicional caso seja aprovado um projeto de lei que promoverá a substituição dos embarques de animais por carne bovina em um prazo de 5 anos. O PL 2.627 de 2025 propõe a mudança na atual regra de forma gradual, em 5 anos. Eis a íntegra (PDF – 146 kB).
Segundo George Sturaro, diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas da ONG MFA (Mercy For Animals ou Piedade para os Animais), a iniciativa busca corrigir distorções de bem-estar animal e alinhar o país a padrões internacionais. Sturaro apresentará uma nota técnica que mostra os ganhos econômicos com a proposta durante audiência pública no Congresso na 3ª feira (19.ago.2025).
A nota, obtida com exclusividade pelo Poder360, é embasada no estudo “Análise dos Impactos Socioeconômicos da Proibição da Exportação de Bovinos Vivos no Brasil”, da economista e doutora em Ciências Ambientais Maíra Luiza Spanholi. A especialista mostra que a substituição da exportação de animais vivos por carne refrigerada pode gerar impacto socioeconômico relevante.
Segundo a análise, o valor agregado adicional varia de R$ 1,46 bilhão a R$ 1,91 bilhão. A criação de empregos formais poderia oscilar de 5.500 a 7.200 postos. A arrecadação tributária teria acréscimo de até R$ 610 milhões. “Quando processamos a carne internamente, deixamos de exportar apenas matéria-prima e passamos a vender um produto mais valorizado”, afirmou Spanholi ao Poder360.
SALTO INSALUBRE
Em 2024, o país exportou quase 1 milhão de bois vivos –um salto em relação à média de 400 mil por ano até 2023. As condições do transporte marítimo de animais são insalubres. Muitos animais morrem na travessia oceânica, que é longa, uma vez que os principais mercados do Brasil são no Oriente Médio.
Esse salto foi impulsionado pelo deslocamento do mercado internacional da Oceania para a América do Sul. Até 2019, a Austrália era líder global nesse mercado.
Com novas regras rígidas de bem-estar animal e segurança marítima, o país da Oceania restringiu a operação de navios antigos. Só 25 das 125 embarcações globais cumprem hoje os requisitos australianos. O custo de frete subiu e importadores do Oriente Médio e Norte da África passaram a comprar do Brasil.
“A Austrália fechou as portas para embarcações inseguras. O Brasil acabou ocupando esse espaço por não ter exigências equivalentes”, afirmou Sturaro. É este cenário que o projeto de lei 2.627 de 2025, de autoria da deputada Duda Salabert (PDT-MG), pretende mudar.
Para Sturaro, a audiência da 3ª feira será crucial: “Queremos sensibilizar congressistas e sociedade. Esse projeto pode marcar o fim de uma atividade cruel e abrir espaço para um modelo mais justo, sustentável e competitivo para o Brasil”.
GANHOS ECONÔMICOS
No cenário de consumo interno, a criação de empregos poderia ultrapassar 8.000 vagas com a troca da exportação de bois vivos por carne bovina, além de elevar a arrecadação em Estados e municípios.
Mato Grosso, Goiás, São Paulo e Mato Grosso do Sul seriam os principais beneficiados. Rondônia e Pará, hoje grandes exportadores de bois vivos, poderiam atrair investimentos em frigoríficos e modernização logística.
Spanholi lembra que a Índia proibiu o transporte marítimo de animais vivos em 2018 e dobrou suas exportações de carne refrigerada para o Oriente Médio, passando de US$ 760 milhões para US$ 1,5 bilhão em 2022. “É uma evidência de que a transição pode fortalecer a economia e gerar competitividade internacional”, disse.
Sturaro afirmou que já existe demanda por carne bovina do Brasil para os principais mercados que compram boi vivo: “O que a gente está vislumbrando é que esses países passem a comprar exclusivamente carne refrigerada, não mais boi vivo. Essa é a ideia”.
RESISTÊNCIA
O Congresso tem 4 projetos de lei em tramitação para limitar ou proibir a exportação de bois vivos. Desde 2018, foram apresentados 7 PLs com o objetivo de desestimular a exportação de animais vivos. Três foram arquivados. Dos 4 restantes, 1 foi apresentado em 2021 no Senado, onde tramita. Os demais foram apresentados na Câmara dos Deputados em 2024. Leia mais nesta reportagem do Poder360.
A resistência para que a tramitação dos projetos evolua existe porque a exportação do animal vivo representa um lucro de 20% a 25% a mais em relação ao comercializado em território nacional, motivo pelo qual o mercado encontra espaço para se manter com apoio da bancada ruralista.
A proposta de Salabert, que recebeu contribuição da MFA, quer proibir a exportação de animais vivos dentro de 5 anos, estabelecendo cotas anuais de redução até que a meta seja batida. Propõe normas que assegurem o mínimo de bem-estar animal durante o período de adaptação.
Também estabelece limite de tempo de funcionamento das embarcações de transporte e exige acompanhamento de equipes veterinárias a bordo e fiscalização contínua pelo Ministério da Agricultura e Pecuária.