Psychedelic Science 2025: como foi a maior conferência psicodélica do mundo

Poder360 faz um balanço da feira realizada em Denver, destacando a comitiva brasileira que fortaleceu o papel do Brasil no cenário global dos psicodélicos

Na semana passada, de 16 a 20 de junho, Denver (EUA) foi palco do maior encontro mundial sobre psicodélicos, a Psychedelic Science Conference 2025. Com mais de 7.000 participantes e 500 palestrantes, o evento organizado pela Maps (Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies) mostrou que a ciência, a cultura e as políticas públicas caminham para uma integração cada vez mais robusta e complexa em torno do potencial terapêutico dessas substâncias.

Um dos pontos altos foi a presença de governadores de Estados norte-americanos que têm sido pioneiros nas políticas sobre psicodélicos. O governador do Colorado, Jared Polis (democrata), citou o compromisso do Estado com a legalização e regulamentação das terapias psicodélicas. Destacou a importância de decisões baseadas em evidências científicas para garantir segurança e eficácia e anunciou o perdão a condenados por psilocibina. 

Já o ex-governador do Texas Rick Perry trouxe uma perspectiva pessoal e pragmática. Ele compartilhou sua experiência com tratamentos psicodélicos para transtorno de estresse pós-traumático, principalmente em veteranos de guerra. Ilustrou como esse campo tem atravessado barreiras políticas tradicionais e alcançado um consenso em torno do benefício clínico.

“Me perguntaram quanto eu pago para trazer os governadores, mas não pagamos nada. Todos estamos interessados em melhorar a vida das pessoas, então eles vêm aqui se atualizar. Quando não há mais com o que tratar a saúde mental dos veteranos [de guerra], os políticos dizem, OK, estou do seu lado, vamos fazer o que for preciso para aliviar essa dor”, disse Rick Doblin, fundador da Maps, durante o discurso de encerramento, enquanto reflexionava sobre os desafios superados e a visão para o futuro. 

Anita Krepp/Poder360 – 18.jun.2025

Rick Doblin durante palestra na Psychedelic Science Conference, em Denver

O evento também não fugiu das discussões éticas e culturais, que ganharam espaço fundamental. Pesquisadores e representantes indígenas destacaram os riscos da apropriação cultural quando práticas e saberes originários são usados por não-indígenas sem respeito nem retorno para as comunidades detentoras dessas tradições. O caso da psilocibina e da curandeira mexicana Maria Sabina foi citado como exemplo de como o conhecimento ancestral pode ser explorado comercialmente sem a devida compensação. Essa tensão entre valorização cultural e exploração é um desafio atual dentro do campo.

No plano científico, a grande discussão foi sobre o revés da Maps. Em agosto de 2024, o FDA rejeitou a aprovação do MDMA para o tratamento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Citou falhas no desenho dos estudos, preocupações com segurança e inconsistências nos dados. Apesar do tom de desapontamento entre pesquisadores, a conferência foi marcada por um clima de resiliência. 

No palco, os representantes da Maps e especialistas compartilharam os aprendizados desse episódio e reforçaram que o movimento psicodélico não depende de uma única substância nem de uma única aprovação. Paralelamente, houve avanços em pesquisas com ketamina, psilocibina, DMT e novas combinações terapêuticas, agora com atenção redobrada à rigidez metodológica, à replicação de resultados e à ética clínica, pilares indispensáveis para conquistar confiança dos reguladores.

Entre as conferências mais interessantes, destacou-se o painel a respeito de psicodélicos e saúde da mulher, que explorou como essas substâncias podem oferecer novas perspectivas para tratar condições específicas femininas, muitas vezes negligenciadas pela medicina tradicional. Outro foco relevante foi a ketamina, discutida tanto como um recurso terapêutico promissor quanto sob o alerta para o uso descontrolado. 

Especialistas ressaltaram que, embora a ketamina possa ser “mágica” em doses controladas e com suporte psiquiátrico, o acesso por meio de remessas via correio ou fora de acompanhamento médico levanta riscos significativos. Também houve debate sobre a necessidade de ampliar o acesso a terapias psicodélicas, equilibrando o otimismo com a cautela para evitar danos.

A 4ª edição do Psychedelic Science Conference não só reafirmou os avanços científicos, mas também ampliou o debate para dimensões culturais e políticas, refletindo um movimento que cresce de forma plural e complexa. Para o público leigo, ficou claro que os psicodélicos deixaram de ser um tabu para se tornarem uma nova fronteira na saúde mental, com potencial para transformar vidas, desde que acompanhados de ética, ciência e respeito às tradições.

Anita Krepp/Poder360 – 18.jun.2025

Na imagem acima, a plateia lotada da Psychedelic Science Conference, em Denver

BRASIL, DESTAQUE ABSOLUTO

Um dos destaques absolutos da conferência foi a presença marcante da comitiva brasileira, que chamou atenção tanto pela qualidade dos painéis científicos quanto pelo vibrante estande no pavilhão de expositores. Organizado pela Psychedelic Parenthood Community, o estande brasileiro foi, de longe, o mais visitado. Estava repleto de pessoas interessadas em conhecer as aplicações tradicionais e contemporâneas do rapé, saber mais sobre retiros no Brasil e ouvir cânticos indígenas. 

Anita Krepp/Poder360 – 20.jun.2025

Glauber Loures (à direita), um dos brasileiros da comitiva do país na feira

O espaço, coordenado por Glauber Loures, Paulina Valamiel e Marco Algorta, contou com a liderança do indígena Álvaro Tukano, que esteve presente para conectar os visitantes à ancestralidade dos saberes amazônicos. Além de ser um ponto cultural e informativo, o estande funcionou como um local de redução de danos, ao dar apoio a participantes ansiosos, que encontravam ali um ambiente acolhedor e seguro.

Anita Krepp/Poder360 – 19.jun.2025

O líder indígena Álvaro Tukano na Psychedelic Science Conference, em Denver

No campo científico, o painel dedicado à ayahuasca e ao DMT destacou-se pela profundidade e interdisciplinaridade das discussões. O grupo brasileiro reuniu especialistas que apresentaram desde pesquisas moleculares com organoides cerebrais até ensaios clínicos com pacientes resistentes a tratamentos convencionais para depressão. 

A dra. Nicole Galvão expôs como a ayahuasca modula o sistema endócrino e biomarcadores associados ao estresse e ao bem-estar psicológico, enquanto o neurocientista Draulio Araújo levou evidências de neuroimagem sobre os efeitos da ayahuasca na conectividade cerebral e em estados alterados de consciência. Marcelo Falchi e Fernanda Palhano também participaram ativamente desse painel. 

Memorável, a fala de Draulio Araújo em defesa da incorporação do DMT no SUS (Sistema Único de Saúde), defendendo a ampliação do acesso às psicoterapias assistidas por psicodélicos, apesar dos custos elevados das clínicas privadas, levou a plateia a uma calorosa ovação de pé, reconhecendo o pioneirismo e a importância dessa perspectiva.

Assista à entrevista com Draulio Araújo (7min11s):

Outro momento relevante foi o painel sobre ketamina, no qual os brasileiros mostraram que é possível implementar tratamentos com esse medicamento no sistema público, mesmo considerando o alto custo da terapia. Eles apresentaram modelos acessíveis de administração que quebram a dependência das grandes patentes, apontando caminhos para ampliar o acesso em um desafio global como a depressão. Essa contribuição ganhou destaque por ser uma das poucas no evento a discutir estratégias concretas para democratizar o uso terapêutico dos psicodélicos em contextos públicos e comunitários, e não apenas em clínicas privadas.

A robusta comitiva brasileira, tanto na ciência quanto na cultura, reafirma o Brasil como um polo relevante no cenário mundial dos psicodélicos. Demonstrando respeito às raízes indígenas e abraçando a inovação científica, o país se posiciona como um protagonista que articula conhecimento ancestral e pesquisa avançada, enquanto contribui para debates sobre acesso, ética e diversidade cultural.

A Psychedelic Science Conference 2025 revelou que o Brasil não é só um espectador, mas um ator fundamental na consolidação e expansão da nova era psicodélica.

reprodução/Psychedelic Science Conference

A Psychedelic Science Conference é realizada desde 1993

Leia mais sobre a Psychedelic Science Conference:

Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-saude/psychedelic-science-2025-como-foi-a-maior-conferencia-psicodelica-do-mundo/

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