Fim de controle em descontos do INSS foi sugestão de youtuber

Jabuti que eliminou obrigatoriedade de revalidação dos débitos em aposentadorias foi inserido em medida provisória sobre crédito digital; teve tramitação acelerada e sanção sem vetos de Bolsonaro

A decisão que abriu brechas para fraudes no INSS passou sem a devida atenção dos congressistas. O fim da obrigatoriedade da revalidação de descontos na folha de pagamento de aposentados e pensionistas no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), aprovado pelo Congresso e sancionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi articulado por um grupo de deputados do Centrão e um youtuber.

A mudança se deu ao longo da tramitação da MPV (Medida Provisória) nº 1.107/2022. A proposta, baixada em 18 de março de 2022, tratava do Sim Digital, programa de simplificação do microcrédito digital para empreendedores, e não mencionava alterações na Lei Geral da Previdência Social.  

O texto foi tramitado às pressas, pois perderia validade em meados de julho. Com o rito de tramitação enxugado à época, o então deputado federal Luis Miranda (Republicanos-DF) foi nomeado relator. Ao Poder360, disse que aceitou a relatoria para ter mais visibilidade, mas que o Planalto era o “dono do texto”.

“Eu era só o relator. Ser relator é um presente midiático para recompor a minha relação com o Bolsonaro, com quem eu tinha brigado na época. Mas a MP não era minha, quem era dono do texto era o Planalto”, disse.

Com uma agenda apertada, a proposta de crédito recebeu 63 sugestões de emendas, sendo 12 delas acatadas integral ou parcialmente. As mudanças, porém, não mencionaram a revalidação do desconto previdenciário destinado a entidades sindicais. 

Foi só depois do fim do prazo regimental que Miranda apresentou a emenda que incluiu a revalidação nos itens revogados– aqueles que param de ter validade após a sanção da lei. O trecho consta nas Disposições Finais do projeto de lei de conversão. 

1,8 milhão de seguidores

Miranda disse que incluiu o trecho a pedido de Sandro Gonçalves, advogado, youtuber e ex-candidato a deputado federal. Em seu canal, com cerca de 1,8 milhão de inscritos, ele fala a respeito de política. Em 2022, tratava de temas ligados à Previdência.

Gonçalves começou a produzir conteúdos sobre as aposentadorias durante a pandemia. A ideia era prospectar clientes. Ganhou visibilidade e passou a ser procurado por congressistas. Gonçalves se diz autor do projeto de lei para o 14º salário para dependentes da Previdência Social, em 2020.

Em 2022, quando a MP passou a tramitar, o youtuber e advogado disse ter sido procurado por aposentados a respeito da revisão da vida toda, julgada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). 

Em dezembro de 2022, a Corte decidiu que aposentados poderiam usar contribuições anteriores a 1994 no cálculo da aposentadoria caso fosse mais benéfico. A regra acabou sendo revista em 2024.

“Na época, começou a circular a informação de que quem não era sindicalizado não teria direito às vitórias judiciais movidas por sindicatos. Aposentados me procuraram para não serem excluídos. Foi assim que a ideia surgiu”, disse ao Poder360.

O mesmo foi dito pelo relator. Luis Miranda afirmou que começou a ser procurado por aposentados em seu gabinete. Nega que tenha sido procurado por sindicatos.

“Aposentados começaram a reclamar que se a renovação não fosse automática, eles poderiam perder benefícios cedidos por sindicatos, como atendimento médico e assessoria jurídica”, disse.

BRECHA PARA FRAUDE 

Gonçalves disse que a proposta foi articulada por ele e alguns deputados do Centrão. Foi levada ao relator para a inserção no relatório. Luis Miranda apresentou a emenda, assinada pelo então advogado federal e atual prefeito de Ribeirão Preto (SP), Ricardo Silva (PSD) –que nega a autoria. Eis a íntegra da emenda (PDF- 337 kB).

Em entrevista a este jornal digital, o prefeito do interior paulista disse que a emenda não partiu do seu gabinete e negou ter participado da discussão. Seu nome, porém, está na lista de presentes da sessão. Silva acusa Luis Miranda de ter adulterado um documento para creditar a emenda a ele.

“Eu sempre apresentei pautas em prol dos aposentados, mas jamais terceirizei a apresentação de emendas. Quem tem que explicar de onde saiu essa emenda é o relator”, disse.

A alteração é apontada como uma das brechas que facilitou a continuidade nos desvios no INSS. Foi aprovada na Câmara, no Senado e sancionada integralmente por Bolsonaro. 

“A minha visão da época era que muitos sindicatos prestavam serviços sérios. Trata-se de uma articulação que pode ter sido infeliz, mas foi para não deixar os aposentados sem seus direitos”, declara Gonçalves.

A DISCUSSÃO 

Por ser uma alteração embutida pelo relator, a percepção de congressistas consultados pelo Poder360 é que o fim da revalidação “passou batido” pela Casa. 

Em um plenário esvaziado em 21 de junho, a votação da medida não foi presidida pelo então presidente Arthur Lira (PP-AL), mas pela 3ª secretária, Geovania de Sá (PSDB-SC). 

A mudança não foi mencionada pelos deputados que foram à tribuna. Integrantes da oposição a Bolsonaro –atualmente no governo– usaram parte do seu tempo de fala para condenar o caso da juíza em SC que negou o direito ao aborto a uma menina de 11 anos vítima de estupro.

Thiago Mitraud (MG), então líder do Novo, questionou à época uma das emendas apresentadas por se tratar de “matéria estranha” ao mérito da proposta, mas não mencionou a revogação da revalidação.

28 MINUTOS NO SENADO

O relatório de Luis Miranda foi aprovado em votação simbólica, ou seja, sem contagem nominal de votos. No Senado, o projeto chegou ao plenário no dia em que caducaria. Sob relatoria de Margareth Buzetti (então no PP e hoje no PSD-MT), foi aprovado sem alterações.

Ao Poder360, a senadora, que estava havia poucos meses no cargo, declarou que não alterou o texto porque a proposta voltaria à Câmara e perderia sua validade. Ela nega que tenha sido procurada para tratar da revalidação. 

Com sessão presidida por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o parecer da senadora mato-grossense foi aprovado em pouco mais de 28 minutos de discussão, também em votação simbólica.

BANCADA DOS PENSIONISTAS

Em 2022, Sandro Gonçalves lançou a sua candidatura para a Câmara de Deputados, pelo Solidariedade de Minas Gerais. Para a campanha, recebeu apoio do senador Paulo Paim (PT-RS) que disse ele é “será uma grande ajuda na luta por direitos do trabalhador”. 

“Precisamos fortalecer ainda mais a democracia através da criação de uma bancada dos aposentados. O Dr. Sandro se colocou à disposição para estar ao nosso lado como candidato a deputado federal (…) ele será uma grande ajuda nesse novo congresso e na luta por maiores direitos do trabalhador, dos aposentado e das pessoas com deficiência.”

Assista (2m16seg):

Sandro Gonçalves, porém, recebeu pouco mais de 10.300 votos e ficou como suplente. Em 2023, o Congresso criou Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Aposentados e Pensionistas, composta por 169 deputados e 20 senadores.

Leia mais:

Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-congresso/fim-de-controle-em-descontos-do-inss-foi-sugestao-de-youtuber/

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