Em 7 de abril de 1980, o presidente Jimmy Carter rompeu o diálogo com Teerã; relação hoje se dá por meio das embaixadas da Suíça e do Paquistão
Era manhã de 4 de novembro de 1979 quando um grupo de estudantes iranianos, aos gritos de “Morte à América”, escalou os muros e forçou os portões da embaixada dos Estados Unidos em Teerã. Do lado de dentro, diplomatas norte-americanos e funcionários da sede representativa haviam iniciado mais um dia normal de trabalho. Para alguns, seriam o último pelos próximos 444 dias.
O episódio, que deu início a chamada Crise dos Reféns, não foi só um protesto espontâneo. Tratou-se também de um desfecho de meses de tensão, desconfiança e fervor revolucionário.
Divulgação/Wikimedia Commons – 4.nov.1979
Estudantes iranianos escalam os portões da embaixada dos EUA em Teerã em 4 de novembro de 1979; a direita, observa-se uma placa com a foto do aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica de 1979
Para os jovens islâmicos, a embaixada norte-americana era um símbolo do imperialismo que, por décadas, havia sustentado o antigo regime do xá Mohammad Reza Pahlavi, derrubado em 11 de fevereiro de 1979 pela Revolução Islâmica.
Além disso, os estudantes iranianos estavam indignados com a decisão do presidente dos EUA, Jimmy Carter (Democrata), de permitir que o xá fosse ao país norte-americano para fazer um tratamento médico contra um câncer. Eles exigiam a extradição de Pahlavi ao Irã, onde seria julgado.
Em Washington, D.C., Carter iniciou seus esforços para libertar os reféns. Ele tentou negociar diretamente com o novo regime iraniano e por meio de intermediários, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a Argélia, além de impor sanções econômicas e congelar bilhões de dólares em ativos iranianos.
Quando todas as tentativas iniciais de negociação fracassaram, e com os reféns ainda sob custódia iraniana, Carter anunciou, em 7 de abril de 1980, que os Estados Unidos estavam rompendo relações diplomáticas com o Irã. A ação, que completa 45 anos nesta 2ª feira (7.abr.2025), representou um dos momentos mais críticos na história da diplomacia norte-americana e marcou o início de uma das rivalidades mais duradouras do cenário internacional.
Apesar da resolução da Crise dos Reféns em 20 de janeiro de 1981, quando os 52 reféns restantes foram libertos no momento da posse do presidente Ronald Reagan (Republicano), os Estados Unidos e o Irã não restabeleceram o diálogo formal. Desde o rompimento, a comunicação entre os 2 países é realizada por meios indiretos.
Nos EUA, por exemplo, os interesses iranianos são representados por uma seção especial dentro da embaixada do Paquistão, em Washington D.C. Já no Irã, os assuntos norte-americanos são tratados pela seção de interesses dos EUA, instalada na embaixada da Suíça em Teerã.
UMA ALIANÇA DESFEITA
Os Estados Unidos e o Irã nem sempre foram inimigos. A relação entre os países era próxima até meados do século 20.
“Os EUA tinham uma política externa para o Oriente Médio fundamentada em 3 pilares: Israel, Irã e Arábia Saudita. A relação antes da Revolução [Islâmica] de 1979 era uma relação muito próxima porque foram os Estados Unidos que colocaram o xá [Pahlavi] no poder em 1953”, explicou Vitelio Brustolin, professor de relações internacionais da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisador de Harvard, em entrevista ao Poder360.
O especialista se refere ao golpe de Estado que derrubou o então primeiro-ministro Mohammad Mossadegh, que havia nacionalizado a indústria do petróleo iraniano, até então controlada por empresas britânicas.
A ação desagradou o Reino Unido, que articulou com os Estados Unidos a remoção de Mossadegh. Também temendo que o Irã se aproximasse da União Soviética em plena Guerra Fria, a CIA e o serviço secreto britânico MI6 executaram a Operação Ajax, em 1953, que resultou na queda do premiê e na retomada do poder do xá Mohammad Reza Pahlavi.
De volta ao poder com o apoio direto de Washington, o xá governou de forma autoritária e manteve o Irã alinhado aos interesses dos EUA no Oriente Médio. Recebeu apoio militar, econômico e político, transformando o país em uma das peças-chave da estratégia norte-americana na região.
Divulgação/Wikimedia Commons – 17.nov.1977
O xá Mohammad Reza Pahlavi (à esq.) e Jimmy Carter (à dir.) durante encontro realizado em Washington D.C. em 15 de novembro de 1977
A proximidade do governo de Pahlavi com os Estados Unidos, no entanto, resultou em uma insatisfação de parte significativa dos iranianos. Eles estavam descontentes com a repressão política e a desigualdade social.
Além disso, religiosos mais conservadores criticavam a chamada “ocidentalização forçada” promovida pelo xá —um processo que, segundo eles, ameaçava os valores islâmicos e a identidade cultural do país. Tudo isso motivou a Revolução Islâmica de 1979.
Segundo Brustolin, depois da ascensão dos aiatolás, o Irã passou a considerar os EUA como “os maiores inimigos”, com Israel sendo visto como uma “representação dos Estados Unidos no Oriente Médio”.
Mohamad Sadegh Heydary/Wikimedia Commons – 11.nov.2015
Manifestantes iranianos queimam as bandeiras dos EUA, Arábia Saudita e Israel durante ato contra o governo norte-americano, realizado em novembro de 2015 em Teerã
Najad Khouri, sócio fundador e pesquisador sênior do Gepom (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Oriente Médio), também explica que, depois da Revolução Islâmica, os atritos aumentaram com a guerra entre Irã e Iraque (1980-1988), durante a qual os EUA adotaram uma postura ambígua: “Apoiava o Iraque mandando armas e, ao mesmo tempo, mandava armas para o Irã indiretamente”, disse em entrevista ao Poder360.
O especialista afirma ainda que, em resposta à hostilidade norte-americana, o Irã desenvolveu uma política de dissuasão militar e passou a adotar estratégias indiretas, apoiando grupos paramilitares extremistas como o Hezbollah, no Líbano, o Hamas, na Faixa de Gaza, o Houthi, no Iêmen, e o regime sírio de Bashar al-Assad, derrubado em 8 de dezembro de 2024.
Enquanto isso, as sanções econômicas se tornaram o principal instrumento de pressão dos EUA. O Irã foi excluído do sistema financeiro Swift para pagamentos internacionais e sofreu restrições severas à exportação de petróleo —sua principal fonte de receita. Diante disso, o Irã intensificou o desenvolvimento de seu programa nuclear.
O PROGRAMA NUCLEAR DO IRÃ
“Em 1967, os Estados Unidos foram os responsáveis por fornecer ao Irã um reator nuclear e combustível de urânio enriquecido. Isso daqui é um fato importante porque justamente agora existe essa discussão sobre o programa nuclear do Irã”, afirma Vitelio Brustolin.
Um ano depois, em 1968, o país persa foi um dos primeiros signatários do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear), que permite o desenvolvimento de um programa nuclear com fins pacíficos, como produção de energia e uso médico, mas proíbe a fabricação de armas.
Depois da revolução de 1979 e a deterioração das relações, os EUA interromperam a cooperação nuclear com o Irã. O país então perseguiu suas ambições, o que, juntamente com a falta de transparência em algumas de suas atividades, começou a levantar suspeitas no Ocidente de que poderia estar descumprindo o TNP.
Embora as preocupações já existissem no final da década de 1990 e início dos anos 2000, a situação se agravou significativamente depois dos ataques do 11 de Setembro de 2001. Esse evento intensificou o escrutínio internacional sobre o programa nuclear iraniano, em um contexto de maior preocupação com a proliferação nuclear e o terrorismo.
O Irã também passou a sofrer crescente pressão econômica ao longo dos próximos anos. Sucessivas rodadas de sanções internacionais foram impostas ao regime iraniano, tanto por Washington quanto pela ONU e pela União Europeia, com o objetivo de restringir suas atividades nucleares.
A RETOMADA DO DIÁLOGO
Toda a preocupação do Ocidente com o desenvolvimento nuclear iraniano levou os Estados Unidos a retomarem o diálogo direto com o Irã pela 1ª vez desde a Revolução Islâmica de 1979.
Em 2013, depois da eleição do moderado Hassan Rouhani a presidente do Irã, o então presidente norte-americano, Barack Obama (Democrata), viu uma oportunidade de abrir um canal diplomático com Teerã. Em setembro daquele ano, os 2 líderes conversaram por telefone.
Pete Souza/Official White House Photo – 27.set.2013
Barack Obama no Salão Oval da Casa Branca, durante conversa por telefone com o então presidente do Irã, Hassan Rouhani, em 27 de setembro de 2013
O gesto simbólico abriu caminho para negociações entre o Irã e o grupo “P5+1” (EUA, Reino Unido, França, China, Rússia e Alemanha), visando a limitar o programa nuclear iraniano em troca do alívio de sanções econômicas. Depois de quase 2 anos de tratativas, as partes chegaram a um acordo em julho de 2015: o JCPOA (Plano de Ação Conjunto Global, na sigla em inglês).
Pelo acordo, o Irã se comprometia a reduzir seu estoque de urânio enriquecido, limitar o enriquecimento a no máximo 3,67%, bem abaixo do nível necessário para armas nucleares, diminuir drasticamente o número de centrífugas em operação e permitir inspeções rigorosas da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) em suas instalações nucleares.
Em troca, as potências mundiais suspenderiam gradualmente as sanções econômicas contra o país, permitindo que o Irã voltasse a exportar petróleo e reconectasse seu sistema bancário ao mercado global.
No entanto, em 2018, sob o 1º governo de Donald Trump (Republicano), os Estados Unidos se retiraram do acordo. Trump alegou que o JCPOA era “desastroso”, não cobria o programa de mísseis balísticos do Irã e não impedia sua influência militar na região. A decisão foi acompanhada da reimposição de sanções econômicas severas, que voltaram a pressionar fortemente a economia iraniana e reacenderam a tensão bilateral.
Como resposta, o Irã começou a descumprir progressivamente os termos do acordo, enriquecendo urânio em níveis mais altos e retomando atividades antes restritas, elevando o temor de uma corrida nuclear no Oriente Médio.
O FATOR TRUMP
De volta à Casa Branca em 20 de janeiro de 2025, o presidente norte-americano retomou a retórica dura e estabeleceu sua política de “pressão máxima” contra o Irã, marcando uma nova fase de tensão entre os 2 países.
“Trump não é negociador. Ele impõe posições, como aconteceu com as tarifas norte-americanas. Agora, está ameaçando bombardear o Irã se o país não aceitar um acordo nuclear”, avalia Khouri.
Em março de 2025, o republicano enviou uma carta ao líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, visando a iniciar novas negociações sobre o programa nuclear iraniano. No documento, o republicano deu um prazo de 2 meses para que uma nova trativa seja alcançada. Se não, os EUA atacarão o país persa.
Em resposta, Khamenei disse que a proposta norte-americana sobre armas nucleares é uma “farsa” e que busca criar a impressão de que o governo iraniano não deseja negociar. Ele também afirmou que qualquer ataque ao seu país será respondido com força.
Divulgação/khamenei.ir – 12.mar.2025
Ali Khamenei, durante um encontro com universitários em 12 de março de 2025, respondeu às ameaças de Donald Trump dizendo: “se quiséssemos produzir uma arma nuclear, os Estados Unidos seriam incapazes de nos impedir. Nós é que não queremos fazer isso”
Segundo o líder supremo iraniano, o país se recusa a negociar diretamente com o governo de Trump por causa do histórico do mandato anterior. “Sentamos e negociamos por anos. Então, essa mesma pessoa [Trump] apareceu e jogou o acordo assinado, concluído e finalizado de lado e o rasgou”, disse Khamenei em referência ao acordo de 2015.
O atual presidente iraniano, o reformista Masoud Pezeshkian, confirmou que Teerã não entrará em negociações diretas com a Casa Branca, mas está aberto a dialogar indiretamente conforme orientação de Khamenei.
Para Khouri, Pezeshkian assumiu a presidência com a intenção de promover negociações pacíficas, tanto com os países vizinhos quanto com os Estados Unidos, mas enfrenta forte resistência dentro do próprio Estado iraniano.
Segundo o pesquisador, há uma rejeição muito grande a qualquer acordo que envolva concessões no programa nuclear ou no arsenal balístico iraniano. “Há um conflito dentro do Estado iraniano. Eles ainda não chegaram a uma conclusão e a única pessoa que vai desempatar isso é o aiatolá Khamenei. Ele vai dar última palavra”, disse.
Diante desses impasses, os especialistas concordam que a normalização das relações entre Teerã e Washington segue distante e depende de um eventual novo acordo nuclear.
“A possibilidade dos Estados Unidos terem uma relação com o Irã, passaria pela necessidade desse governo dos aiatolás cair. Com esse governo não tem como, não vai acontecer”, afirma o professor Vitélio Brustolin.