Decisões diferentes do TCU em 2016 e 2024 podem impactar caso das joias de Bolsonaro; procurador-geral da República ainda avalia se denuncia ou não ex-presidente
Os casos das joias e da falsificação dos cartões de vacina ficaram de fora da denúncia, apresentada em 18 de fevereiro, que acusou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas por tentativas de golpe de Estado. Há expectativa de que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, trate dos temas em uma segunda peça de acusação. A questão das joias, porém, permanece cercada de controvérsia.
A Polícia Federal indiciou Bolsonaro e outras 11 pessoas em julho de 2024 por considerar que o político do PL recebeu os itens de alto valor de autoridades estrangeiras em razão do cargo que ocupava e usou a estrutura do governo federal para desviá-los. Mas falta clareza sobre o que é preciso fazer com presentes recebidos por presidentes da República, inclusive nas decisões do TCU (Tribunal de Contas da União), que tentou regular o tema.
TCU cria regras em 2016
Em 2016, o TCU realizou auditoria na gestão patrimonial da Presidência da República após solicitação do Congresso Nacional. A investigação identificou falhas nos registros e na classificação de presentes recebidos em visitas oficiais.
A auditoria revelou que itens de alto valor, como joias e relógios, estavam sendo incorporados aos acervos privados dos presidentes sem critérios claros.
O tribunal determinou que bens de luxo deveriam ser integrados ao patrimônio público, com exceção de itens de caráter estritamente pessoal, como vestuário e perfumes.
A decisão também recomendou a criação de um sistema mais rigoroso de registro e controle para evitar extravios e incorporações indevidas. Eis a íntegra da decisão (PDF – 2 MB)
Decisão favorece Lula
Apesar da regra de 2016, o TCU decidiu em 2024 que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia manter o relógio Cartier recebido de presente em 2005, em seu primeiro mandato no Palácio do Planalto.
O tribunal considerou que, por ter sido oferecido pela fabricante Cartier e não diretamente por um chefe de Estado, o item não se enquadrava na obrigação de incorporação ao patrimônio da União.
O TCU também destacou que o relógio não havia sido tratado como bem público nos registros administrativos ao longo dos anos. A decisão gerou debates sobre a necessidade de regras mais objetivas para presentes oficiais. Eis a íntegra da decisão (PDF – 2 MB)
Relógio Cartier de Lula (Galeria – 1 Fotos)
relogio-lula-cartier-tcu
Reprodução/TCU
Reprodução/TCU
Precedente para Bolsonaro
A nova interpretação do TCU, usada para avaliar o caso de Lula, pode influenciar o caso das joias de Bolsonaro. A defesa do ex-presidente pode argumentar que, assim como o atual presidente, ele teria direito a manter os presentes recebidos.
No entanto, a investigação da Polícia Federal aponta para tentativa de venda e ocultação dos bens, o que configuraria crime independentemente da questão patrimonial.
Segundo o acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do Planalto, Bolsonaro solicitou a venda de joias do acervo presidencial recebidas de autoridades estrangeiras e recebeu diretamente o dinheiro das transações.
Entre os itens comercializados estavam:
Relógios Rolex e Patek Philippe vendidos por US$ 68.000 na Filadélfia
Kit de joias negociado por US$ 18.000 em Miami
As vendas ocorreram até durante compromissos oficiais, como a participação de Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas).
Cid guardou os itens nos Estados Unidos com ajuda de seu pai, o general Mauro Cesar Lourena Cid, que também transportou parte do dinheiro para o Brasil.
Os pagamentos foram realizados em espécie para evitar registros bancários, segundo a Polícia Federal.
Cid também revelou que em 30 de dezembro de 2022, Bolsonaro levou para Miami uma mala contendo duas esculturas douradas e um kit de ouro rosé recebido pelo então ministro Bento Albuquerque durante visita à Arábia Saudita. O ex-presidente solicitou a venda desses itens.
Após o TCU ordenar a devolução dos itens ao acervo presidencial, aliados do ex-presidente organizaram uma operação para readquirir os produtos nos Estados Unidos.
Bolsonaro sempre negou ter cometido ilegalidades no caso das joias. Seus advogados afirmaram durante a investigação que o ex-presidente “declarou oficialmente os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens”.