10 cidades têm mais inscritos no Bolsa Família do que casas

Regras proíbem que mais de 1 da mesma família receba o benefício; uma prefeitura diz que houve falha no recenseamento do IBGE, que nega

Em 10 cidades brasileiras, há mais pessoas no Bolsa Família do que domicílios, indica cruzamento de dados públicos disponíveis em janeiro de 2025. As regras do programa social vetam que uma mesma família receba duas vezes o benefício. Especialistas avaliam que há indício de concessão a pessoas que não atendem às especificações.

O programa é concedido ao chefe da família, que pode ser homem ou mulher. Dessa forma, só uma pessoa pode ser titular do benefício. Há casos, pouco comuns, em que mais de uma família mora no mesmo endereço.

Esse dado obtido pela reportagem do Poder360 é público. Pode ser verificado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a qualquer momento. Há uma alta possibilidade de haver fraudes nessas cidades com mais beneficiários do que casas. A estatística mostrada nesta reportagem também revela que tem sido ineficaz a iniciativa anunciada há cerca de 2 anos pela administração federal para fazer um pente-fino no principal programa social brasileiro.

A situação mais dramática é em Serrano do Maranhão (MA), no interior do Estado. Há 3.953 casas, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e 5.041 famílias no Bolsa Família (127,5% do total de domicílios), de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social.

A prefeita da cidade, Val Cunha (PL), diz que houve erro no Censo de 2022: “A quantidade de domicílios está incorreta”. O procurador de Serrano, Rômulo Emanuel da Silva, disse que o povoado de Santa Filomena, onde vivem 200 pessoas, foi equivocadamente considerado como parte da cidade de Santa Helena. No povoado de Boa Esperança, com 800 pessoas, não houve visita de recenseadores, segundo Silva. 

Questionado por e-mail e por telefone, o IBGE disse que recenseadores visitaram as duas áreas e que a Comunidade Quilombola Santa Filomena fica no município vizinho. Eis a íntegra da resposta do instituto (PDF – 4 MB).

Imagens de satélite mostram que Serrano tem uma área urbana pequena. Há ramificações em zonas rurais que dificultam a contagem de domicílios. Não houve expansão significativa dessas áreas nos últimos anos, segundo o Google Earth.

A 2ª pior situação é em São Paulo de Olivença (AM), com 7.722 famílias no Bolsa Família e 6.845 casas. O Poder360 procurou o prefeito Gibe Martins (União Brasil) por e-mail e por WhatsApp. Não houve resposta. O espaço permanece aberto à manifestação.

Em Autazes (AM), há 16.457 titulares do Bolsa Família. É 6% mais do que os 15.544 domicílios. O prefeito, Thomé Neto (PP), está no cargo desde o início de 2025. A secretária de Assistência Social, Izoney Tomé, disse não saber a razão de o número de beneficiários do Bolsa Família ser maior do que o de domicílios. “Não posso emitir opinião”, disse. 

O Poder360 procurou por telefone e por e-mail as prefeituras das outras 7 cidades que têm mais titulares do Bolsa Família do que domicílios. Não houve resposta. O espaço permanece aberto à manifestação. 

A coordenadora do Bolsa Família no governo do Amazonas, Ana Cláudia Rocha, disse desconhecer o número de domicílios de cada cidade do Estado. Portanto, declarou que não poderia avaliar a relação desse dado com os números de beneficiários de cada cidade.

O Ministério do Desenvolvimento Social declarou ao Poder360 que o avanço populacional desde o último Censo, em 2022, pode explicar discrepâncias. Afirmou que a elegibilidade das famílias tem como base dados do Cadastro Único, atualizados com mais frequência.

“Enquanto o Censo realiza o mapeamento dos domicílios, o Cadastro Único identifica o perfil das famílias e suas condições de vida. Nesse sentido, é possível afirmar que, em algumas situações, mais de uma família pode residir no mesmo domicílio, especialmente em localidades de maior vulnerabilidade, o que é classificado no Cadastro Único como ‘famílias conviventes’”, diz o governo. Leia a íntegra da resposta (PDF – 53 KB).

A economista Carla Beni, professora da FGV (Fundação Getulio Vargas), disse que a existência de mais famílias do que domicílios em uma cidade é indício de irregularidade. “Pode ser fraude”, declarou. Ela afirmou que é necessário fazer uma investigação rigorosa nesses locais.

Beni afirmou que a existência de mais de 80% de domicílios com Bolsa Família em uma cidade já deve ser motivo para investigação. Há 70 cidades com mais de 80% de domicílios recebendo o Bolsa Família nas 5.570 localidades do país.

“Algumas cidades são muito dependentes do Bolsa Família. Mas há um efeito multiplicador do programa. Há pessoas que são empresários no comércio, empregados, funcionários dos serviços públicos”, disse a professora da FGV. Ela é conselheira do Corecon (Conselho Regional de Economia) de São Paulo.

No Brasil, 807 cidades têm pelo menos 50% das casas com algum beneficiário do Bolsa Família.

A dependência do programa por domicílios é significativamente maior em cidades do Norte e do Nordeste, regiões também mais pobres.

O programa se chamou Auxílio Brasil de novembro de 2021 até março de 2023, no governo de Jair Bolsonaro (PL). Teve as regras para inscrição de famílias facilitadas por causa da pandemia –que impossibilitou que alguns cadastros fossem feitos de forma presencial. Houve aumento na concessão de benefícios às vésperas da eleição de 2022.

O Ministério do Desenvolvimento Social declarou que uma “verificação cadastral tem sido realizada de forma rotineira desde 2023” para identificar fraudes e possíveis desvios no programa. Segundo o governo, “estudos estão sendo conduzidos para aprimorar o processo a partir de 2025”.

Novas medidas devem se tornar rotina, como conferência de renda declarada, atualização dos dados a cada 24 meses e conferência do registro de mortes.

“O MDS [Ministério do Desenvolvimento Social] reforça que conta também com mecanismos de fiscalização e aprimoramento contínuo dos programas sociais. Uma dessas ferramentas é a Rede Federal de Fiscalização do Bolsa Família e do Cadastro Único, criada em junho de 2023. Essa rede tem como objetivo propor medidas para melhorar a qualidade das informações, a fiscalização do CadÚnico e a gestão do PBF, além de prevenir fraudes”, afirma o órgão.

Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-governo/10-cidades-tem-mais-inscritos-no-bolsa-familia-do-que-casas/

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