Governo trabalhista visa a movimentar a economia britânica, em especial com a criação de empregos; projeto não foi bem recebido inicialmente
O governo do Reino Unido anunciou na 4ª feira (29.jan.2025) planos para expandir o aeroporto de Heathrow com a construção de uma 3ª pista, que pode levar até meados de 2030 para ficar pronta. A proposta da ministra das Finanças, Rachel Reeves, é uma das principais apostas do governo do primeiro-ministro Keir Starmer (Partido Trabalhista, centro-esquerda) para movimentar a economia britânica.
A economia do país sofreu impactos nos últimos anos, especialmente depois do Brexit, que entrou em vigor em 2020, e por causa da pandemia da covid-19, no mesmo ano. O país entrou em recessão técnica em fevereiro de 2024, depois de o PIB (Produto Interno Bruto) retrair por 2º trimestres consecutivos. Voltou a registrar avanço no 1º trimestre do ano passado, quando cresceu 0,6%.
A inflação britânica passou 9 meses acima de 10% de 2022 a 2023. Atualmente, a taxa está em 2,5%, 0,5 p.p. acima da meta anual de 2%. O PIB teve crescimento de 1% nos 3 meses encerrados em novembro de 2024, estável ante os 3 meses anteriores encerrados em agosto. Além disso, o número de pessoas trabalhando na construção civil caiu 366 mil nos últimos 5 anos e está no 2º menor nível desde 2001.
Heathrow, o aeroporto mais movimentado da Europa, recebeu um recorde de 83,86 milhões de passageiros em 2024. Foram cerca de 1.300 pousos e decolagens diariamente. Atualmente, os voos do aeroporto estão limitados a um máximo de 480 mil por ano. Uma nova pista permitiria que Heathrow recebesse por volta de 720 mil voos anualmente.
Apesar dos compromissos climáticos do país, a ministra afirma que a nova pista tornaria o Reino Unido “o lugar mais bem conectado do mundo para se fazer negócios”. Também declara que a construção pode criar mais de 100 mil vagas de emprego. O país tem como objetivo zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2050, mas o projeto pode atrapalhar a meta.
O anúncio da ministra, no entanto, não agradou ativistas e outros políticos. Rosie Downes, chefe de campanhas da Friends of the Earth, chamou a abordagem de “crescimento em 1º lugar” de Reeves de “o tipo de pensamento perigosamente míope que ajudou a causar a crise climática e deixou o Reino Unido como um dos países com maior escassez de natureza do mundo”.
O prefeito de Londres, Sadiq Khan, também se demonstrou contrário à ideia. “Apesar do progresso feito no setor de aviação para torná-lo mais sustentável, eu simplesmente não estou convencido de que você pode ter centenas de milhares de voos adicionais em Heathrow todo ano sem um impacto extremamente prejudicial ao nosso meio ambiente”, disse Khan depois do anúncio de Reeves.
“Talvez os eleitores do Partido Trabalhista gostariam que [o governo] focasse mais na nas questões sociais. Então, isso leva uma decepção, porque é um investimento que só terá resultados lá em 2030, então, de médio a longo prazo”, avalia Demétrius Pereira, professor de relações internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), em entrevista ao Poder360.
Segundo ele, a proposta, que já é discutida desde ao menos 2003, seria mais condizente se tivesse partido do Partido Conservador (centro-direita), que governou o país de 2010 a 2024. “Talvez isso possa ser um aspecto um pouco negativo, já que o Partido Trabalhista, que tende a investir mais nas questões sociais, estaria fazendo investimento para beneficiar muito mais os setores empresariais e econômicos”, diz o professor.
A ministra espera que o Parlamento conceda permissão para executar o projeto até 2029, prazo máximo para o mandato da atual composição do Legislativo. O chefe-executivo de Heathrow, Thomas Woldbye, diz que a meta é “ambiciosa, mas não inexequível”. Segundo ele, a pista poderia ser concluída em meados da década de 2030, no mínimo.
A maior dúvida a respeito do projeto é quanto ele custaria para ser concluído. Além de uma pista de 3,5 km e pistas de taxiamento em terra a noroeste do limite atual do aeroporto, o trabalho também envolveria o desvio da rodovia M25 próxima para um túnel para abrir espaço para a expansão. No processo, 750 casas e uma escola primária seriam demolidas.
Com isso, a expansão de Heathrow deve ser um dos projetos de infraestrutura do setor privado mais caros do Reino Unido. Segundo o Financial Times, o custo estimado foi de £ 14 bilhões em 2014 (cerca de R$ 19 bilhões, em valores atualizados), mas esse número agora deve ser maior.
Além disso, uma 3ª pista competiria por trabalhadores com os planos do governo de construir 1,5 milhão de casas em 5 anos, bem como mais infraestrutura de transporte e água, data centers e grandes fábricas.
Demétrius Pereira também destaca que a ampliação de Heathrow pode afetar outros aeroportos, tanto de Londres quanto de toda a Europa. A capital britânica tem 6 aeroportos comerciais, sendo Heathrow o maior da cidade.
“Para esse projeto ser bem-sucedido, tem que haver também uma previsão de que as companhias aéreas têm interesse em ampliar os voos sem prejudicar os outros aeroportos da região e, talvez da própria Europa”, afirma.
Para Pereira, apesar de não ser um tema muito popular entre os eleitores, o governo pode aumentar sua aprovação com o projeto caso ele seja benéfico para a criação de empregos, tanto durante as obras quanto posteriormente.
“Apesar de a obra ser prevista para terminar só daqui a alguns anos, [o governo] já tem que antever e começar a pensar no que pode criar [de vagas de trabalho] já no início da reforma, talvez já com a contratação [do projeto] e já ir colhendo os frutos”, afirma.
“É um projeto que é de médio a longo prazo, mas que já tem consequências mais imediatas porque a reforma pode começar já. […] O benefício de ter o aeroporto ampliado serão no futuro, mas já pode haver ganhos com o próprio processo da reforma”, diz o professor da ESPM.